Tipologia
junguiana

Como funciona o sistema? Funções, stack, tipos e dicotomias

Parte 1: tipos, teorias e confusões recorrentes

A tipologia é o estudo dos tipos, ou seja, das divisões e categorizações teóricas que se fazem da realidade. No caso deste site e da equipe que o construiu, a tipologia estudada é a tipologia de personalidade, ou seja, a tentativa de categorizar para entender as diferenças entre as pessoas de uma forma mais sistemática, que permita reflexões sobre si e o outro, auxílio no desenvolvimento pessoal e relacional, entre outros. Pessoas são diferentes, e todo ser-humano observa isso com clareza. O estudo da tipologia é a tentativa de juntar a tendência humana de enxergar padrões com a mesma tendência a exaltar as diferenças, tentando encontrar um meio-termo entre a universalidade biológica e cultural de todos os seres humanos e a particularidade do que faz cada um ser quem é. O tipo é um padrão que o diferencia dos outros tipos, mas com suas variações internas. Caso contrário, haveria um número muito limitado e repetido de pessoas, as ditas “caixas”, o que não é o objetivo. As tipologias criam, a partir desses padrões, descrições aproximadas que agrupam, a partir de questões psicológicas diferentes, as pessoas entre os tipos. Dentre as várias tipologias de personalidade, a coberta por este texto é a Tipologia Junguiana.

Derivado da obra e estudos de Carl Jung, em especial o conteúdo de “Os Tipos Psicológicos” (1921), o sistema aqui apresentado se organiza em torno de dois conceitos principais: o de Função Cognitiva e o de Stack (em tradução livre, “pilha”, “ordem” ou “hierarquia”). É o conjunto de determinadas funções em uma ordem específica que determina o Tipo Psicológico da pessoa. Jung esboçou boa parte da teoria, que foi continuada por outros estudiosos, destacada aqui Marie-Louise Von Franz, e que originou, com o tempo, um modelo de quatro funções. Há, também as quatro dicotomias que originariam as siglas atuais dos tipos, essas últimas largamente conhecidas por terem sido elaboradas por Katherine Briggs e Isabel Briggs Myers, que criaram o Myers-Briggs Typology Indicator (MBTI®), uma busca de simplificação e transformação da teoria dos tipos psicológicos em variáveis contínuas (as 8 letras: E, I, N, S, F, T, J, P).

O que se apresenta, aqui, é a leitura própria das dinâmicas dos tipos. Buscou-se sintetizar, mas também com respeito à densidade dos conceitos e possibilidades dentro dos tipos, o melhor das descrições originais de Jung, com o modelo desenvolvido posteriormente que coloca 4 funções em uma ordem específica para se fazer um tipo. Antes disso, porém, é importante esclarecer algumas dúvidas recorrentes e concepções equivocadas do que compõem os tipos junguianos.

Para começar, a tipologia não é um teste. Ela não é nem se resume ao “teste dos tipos” e, por conseguinte, o resultado de um deles não pode substituir o estudo dos conceitos, até mesmo porque não existe um teste oficial para tipologia junguiana. Existe um teste oficial para o MBTI®, mas, por se tratar de uma simplificação, nem ele é capaz de indicar com certeza as funções de cada um e não substitui a análise pessoal ou coletiva. O que cada teste se propõe é tentar uma análise impessoal das maiores identificações das pessoas e aplicar um algoritmo que associe essas identificações a certos tipos, funções ou letras. No entanto, a compreensão dos conceitos e termos usados na tipologia, por serem bem abstratos, costuma ser bastante pessoal, e é aí que qualquer teste cai por terra. Cada pessoa interpreta uma ou outra questão e palavra de forma diferente, o que torna impossível fazer um teste universal. A solução envolve duas coisas: o estudo pessoal e o estudo conjunto (diálogo). O estudo pessoal gera uma compreensão própria, complexa e adaptada ao vocabulário pessoal de cada pessoa sobre o que são as manifestações das funções. O estudo conjunto, imprescindível, calibra essas compreensões pessoais com o entendimento consensual do tipo. Como ninguém tem contato igual com as 8 funções (e cada tipo é representado apenas por 4 em posições diferentes), entender cada função por completo requer o contato com fontes e pessoas que as representem, e um estudo meramente individual costuma gerar graves distorções sobre alguns conceitos. Como é o estudo das diferenças humanas e é um método de entender a si mesmo e ao outro, é na dinâmica relacional que melhor cresce a compreensão da teoria. Este site é uma tentativa de ampliar esse diálogo e o estudo pessoal.

Mas o que significa, então, reconhecer padrões de pensamento e cognição nas pessoas a partir de conceitos junguianos? Não significa, em absoluto, reduzir essas pessoas a nenhum determinismo ou reducionismo, ou forçá-las em “caixas”. Por isso mesmo, o estudo da tipologia não deve trazer previsões universais de comportamentos observáveis. As pessoas constantemente usam as funções cognitivas de forma criativa, inesperada e curiosa, exatamente porque a tipologia de personalidade não equivale ao comportamento. O estudo do comportamento é outra área. As funções cognitivas, no entanto, definitivamente influenciam o comportamento e podem ajudar a entender ou ter expectativas sobre o comportamento alheio, sempre se isso for feito com a certeza de que as coisas podem não acontecer como o esperado. Muitos outros fatores além da tipologia influenciam o comportamento observável, as ações e os “exemplos práticos” de como cada função funcionaria. As experiências de vida, o que lhe foi reforçado ou incentivado, suas relações de grupo e a atmosfera geral da sociedade no momento são grandes fatores de impacto em como uma pessoa age, e as funções cognitivas oferecem uma explicação de como as pessoas processaram informações e pensaram para tomar as decisões que culminaram naquele comportamento. Elas dialogam com o modelo junguiano da psique, com a ideia de consciente e inconsciente, entre outros.

Como as funções cognitivas não determinam as ações de um indivíduo, mas ao mesmo tempo as influenciam, é natural pensar que elas também são influenciadas pelo meio e pela história de vida das pessoas. Ao passo que seja praticamente impossível uma pessoa mudar de tipo, isso não significa que seu jeito, sua visão de mundo e sua forma de interagir com a realidade permaneçam os mesmos para sempre. As pessoas mudam, criam novas concepções, gostos e reflexões sobre o mundo, e as funções cognitivas também são afetadas. Não no sentido de virarem outras funções, mas sim de se desenvolverem, ficarem mais ou menos vulneráveis, impulsarem a pessoa a novas direções, refinarem seus conceitos e seu ferramental, tudo. As pessoas possuem momentos mais ou menos quietos em suas vidas, crises ou exageros em uma ou outra função, diferentes formas de existir no mundo, e isso também é coberto, em parte pela teoria tipológica. Ela indica onde e como estão as principais mudanças, desafios e focos das pessoas em diferentes momentos da vida, a partir da ordem (ou “pilha”) das funções dentro da psique. A noção de arquétipo e de função aceita, dentro de si mesma, usos diferentes dessas funções ao longo da vida do indivíduo, mas elas continuam as mesmas.