Relações entre as duas funções opostas
Cobrindo algo que dialoga com permanência e mudança, ou também com o crescimento e a interrupção, a combinação do eixo Sensação Introvertida/Intuição Extrovertida (Si/Ne) fala muito com a ideia de reinvenção. Si e Ne dialogam na medida em que se reinventam na tentativa de descobrir novas coisas a serem internalizadas e eternizadas. A conciliação entre Si e Ne acontece na tentativa de incentivar a exploração para que o teste de possibilidades garanta que novas experiências possam ser valorizadas, sacralizadas e internalizadas pelo indivíduo. Por exemplo, é comum que, ao entrar em contato com sua função baixa, os usuários de Si alta precisem desesperadamente sentir que estão mudando, geralmente se apegando a experiências ou à busca de novas sensações ou coisas que fortaleçam, no campo da sensação, essa vontade de se ver mudando. Podem se apegar a pequenas ideias ou reflexões que considerem “aleatórias”, e, assim, se considerarem a si mesmos como “aleatórios”. No caminho contrário, os usuários de Ne alta podem tentar desesperadamente sentir algum senso de estabilidade de si, se apegando a coisas que não são realmente dignas disso, e que eles próprios claramente não consideram realmente importantes, apenas para ter essa vontade de estabilização ou de contato com suas experiências subjetivas. A Si precisa estar proeminente e algo criativa para que haja uma experimentação e uma re-experimentação dessas situações de forma construtiva para o indivíduo. A mudança contínua sem a âncora que lhe estabilize é fútil e rasa, e a permanência por si só não é capaz de descobrir novas coisas importantes a serem mantidas. Mesmo assim, esse tipo de reinvenção pode ser extremamente benéfico para que o indivíduo não se perca em um caminho único que não gera tantos frutos ou seja tão prazeroso quanto parecia ser. Pode trazer um sopro de ar puro e novas sementes que realmente valham a pena ser cultivadas. No entanto, como são funções opostas, essa relação nem sempre é tão benéfica ou conciliável, e a dialética entre reinvenção e apego pode ser bastante destrutiva. Uma reinvenção que desfaça tudo o que existe na tentativa da construção ou semeadura de um novo hipotético pode danificar coisas realmente preciosas. É por isso que as duas funções podem ser forças em constante conflito de prioridades, mas também se complementam: a Si se foca no crescimento do que é importante, enquanto a Ne pode interromper tudo isso. No entanto, se não conseguir seguir em frente, será a própria Si o fator de interrupção, e precisará da Ne para voltar a semear e crescer. Assim, ambas possuem algum tipo de riqueza que impulsiona ou limita o crescimento. Pode-se dizer, logo, que se trata de um conflito entre duas riquezas muito diferentes.
A metáfora da semeadura funciona bem para esse eixo (em relação ao eixo NiSe) porque a Ne representaria a semeadura e a Si representaria o cultivo. A semeadura não vai muito fundo e precisa do cultivo para que crie raízes e dê frutos a algo que permita uma experiência sublime. Ao mesmo tempo, é essa característica “rasa” que permite que muitas sementes sejam colocadas rapidamente. Nem todas sobreviverão ou serão cultivadas, mas aquelas que sobrevivem permitirão uma colheita farta, a depender do cuidado com cada semente. Isso é contraposto pelo eixo SeNi, que lida com o material e o imaterial. A semeadura lida com coisas que existem, selecionadas por suas potencialidades, enquanto Se e Ni têm problemas e precisam resolver o impasse entre o que existe e o que nunca existiu: é por isso que elas precisam de materialização, não de cultivo; preferem transformação alquímica a reinvenção. Metaforicamente falando, claro. Sempre há como essas metáforas serem lidas de formas diferentes pelos indivíduos. Um usuário de SeNi poderia, por exemplo, internalizar a “semeadura” como um conceito a ser concretizado e dissecado, e viver por esse princípio.
Indivíduos com essas duas funções (xSxJ e xNxP) costumam falar que possuem uma imaginação muito fértil porque de fato é o que acontece. Si e Ne, em oposição a Se e Ni, possuem certo equilíbrio entre o mundo que é e o mundo que não é. Isso porque a função Si é de sensação (mundo concreto) mas é introvertida, o que leva os fatos e experiências a uma apreciação muito subjetiva e potencialmente irreal. A função Ne é de intuição (mundo abstrato), mas é extrovertida, o que dialoga com o que não é, mas pode ser em termos objetivos. Por isso, a imaginação fértil que concilia e conflitua Ne e Si é aquela que pode criar mundos hipotéticos e que evocam experiências únicas, fazendo novas conexões irreais, mas possíveis, e lhes dando infinitude e concretude. Claro, também há conflito aqui porque, enquanto a Si oferece riqueza em se aprofundar na experiência e na percepção do mundo imaginado, a Ne foge dessa riqueza para oferecer outra, a das conexões impossíveis. Uma comparação que ilustra essas situações é entre o trabalho de JRR Tolkien e Hayao Miyazaki, ambos ISTJ, ambos extremamente preocupados com a riqueza de sensações e detalhes concretos criados, com o de Junji Ito, INFP, mais preocupado em explorar situações em histórias curtas e desconexas.
Se estiverem presentes no eixo auxiliar/terciário (ESxJ e INxP), há uma maior tentativa de conciliação entre esses dos dois fenômenos de semeadura e cultivo, crescimento e interrupção, enquanto as funções no eixo dominante/inferior podem apresentar mais frequentemente desequilíbrios que pendem a um lado ou outro. Falar isso é complicado porque a própria Sensação Introvertida é uma função fortemente orientada ao equilíbrio, enquanto a Intuição Extrovertida favorece o desequilíbrio, não das funções em si, mas dos interesses, gostos e orientações. Portanto, não se devem confundir aqui os conceitos de equilíbrio e desequilíbrio entre funções (prioridades de funcionamento psíquico) e a ideia de equilíbrio na busca individual do termo: equilíbrio e estabilidade de gostos, ou do próprio corpo, ou das sensações e experiências. Essa busca individual de equilíbrio, por sinal, é comum de ser encontrada em usuários de Si alta.
Pela reinvenção, outro tema deve ser estudado na relação das funções: o modo de perfeccionismo desse eixo. Enquanto o perfeccionismo de Ni+Se emana das visões idealizadas e contrárias à realidade da Ni, no eixo Si+Ne esse perfeccionismo até dialoga mais com a experiência (porque é ela que deve ser aperfeiçoada) e o mundo das ideias e hipóteses abstratas (porque esse vem de forma objetiva). Dada uma experiência X, o usuário pode se perguntar “o que pode ser feito para melhorá-la” e isso encadear um processo de pensamento bem característico. Como as possibilidades abstratas vêm de forma objetiva pela Ne, o usuário de Si+Ne (principalmente aquele com Ne inferior) pode se ocupar exagerada e constantemente de especulações sobre o que pode melhorar na experiência, testando suas pequenas mudanças até que elas realmente encontrem a perfeição. Nem todos os Si-dominantes são perfeccionistas, mas aqueles que o são costumam seguir essa forma de pensamento e ação. Pode-se pensar um compositor que passe um grande tempo fazendo contínuas alterações em sua obra porque sempre lhe surge uma nova ideia de como aperfeiçoar a experiência estética. Nas palavras de Leonardo da Vinci, um Ne-dominante: “a arte nunca é terminada, apenas abandonada”. No entanto, existem dois processos concomitantes nessa questão.
O primeiro é o da adição de elementos. Enquanto no eixo SeNi a adição de elementos pode acontecer, mas o minimalismo é a melhor forma de alegorizar o eixo, o SiNe pode até prezar pela simplicidade, mas a adição e essa busca de tangentes na arte o representa melhor. Imagine-se uma árvore ou um rio, cujas ramificações desembocam em novas ramificações. Estilos artísticos com essa proposta, mesmo que em tipografia e lettering, ilustram bem o que significa a adição de detalhes para a maximização da experiência sensorial mínima. Temas florais de art nouveau, por exemplo, ou letras cursivas com muitas voltas e “caudas”, são uma das principais formas de adição de tangentes literais que simbolizam as tangentes metafóricas criadas pela Ne em nome da estética Si. É por isso que, até quando advoga pela simplicidade ou pelo minimalismo, o eixo SiNe tem mais tendência a querer incluir alguma coisa nesse estilo de detalhe. Por exemplo, é um fenômeno notável que alguns usuários de Si-alta, ao fazerem uma tatuagem que seja de uma palavra só, optem por uma fonte mais arredondada e com mais caudas, aliando sua visão de simplicidade com uma experiência estética que ganha novos contornos. O lettering cursivo é uma boa expansão desse exemplo. Na disposição do espaço, pode-se imaginar uma casa de campo com as mais variadas quinquilharias, a partir do momento em que cada uma ofereça, tenha oferecido ou possa oferecer uma experiência estética sensorial significativa e subjetivada. O segundo processo é o da correção de elementos, em que a especulação Ne alimenta a busca da experiência mais sublime e subjetivada Si. Quando esses dois processos acontecem nos usuários de Se+Ni, a correção de elementos não visa encontrar a harmonia perfeita da experiência sensorial, mas sim a adequação a um conceito abstrato, condizente com a imagem mental primária, essa sim perfeita.
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