As Funções Cognitivas: O Pensamento Introvertido (Ti)

Introdução, panorama geral, definição e principais manifestações

“Tenho um sistema bem específico para tudo o que faço. Busco o máximo de coerência por isso”, pontuou Karen. “Talvez eu ainda não tivesse pensado com essas palavras, mas eu acho que tento ter um sistema pra entender tudo isso que eu conheço. E se não for meu, se não for um entendimento que eu sei que tem algo meu, não vale a pena”.

“Pra mim, o mundo serve pra ser questionado”, disse Fernanda. “Eu faço isso principalmente com as palavras, mas qualquer coisa eu gosto de questionar. Convenções sociais também são divertidíssimas de provocar, torcer, ou mesmo ir contra. Gosto de pegar conceitos, crenças e outras coisas e questionar: por que elas estão ali? Eu preciso delas? Como elas funcionam? Só assim eu sinto que posso agir direito”.

“Eu não sei explicar tão bem, mas acho cubos mágicos fascinantes”, respondeu Yara. “Pra começar, eles meio que me distanciam do resto das coisas, e eu consigo ficar focado só no que me interessa; até os movimentos para colocar cada quadrado no lugar são interessantes. Mas por que eu fico tão focada? Acho que é o que eu faço com outros interesses e estudos meus, de certa forma: eu tenho que entender a fórmula de como o cubo mágico funciona primeiro, e depois tudo simplesmente encaixa. Isso sempre é fascinante”.

“Com o tempo, eu desenvolvi algumas técnicas para interagir com as pessoas”, explicou Wesley, talvez com um orgulho torto, que escondia algo que nem ele mesmo saberia explicar. Eu acho que não sabia tão bem falar com elas quando menor, então acabei criando várias táticas pra pelo menos parecer interessante e… sei lá, chegar ao objetivo que eu tenho com a pessoa, sabe? Pode parecer meio “frio” eu falando assim, mas foi a forma que encontrei pra não ficar muito deslocado”.

“Tem um método nas coisas que eu faço. Claro, eu não preciso que alguém entenda, mas ele existe muito claramente”, comentou Lucas, olhando para um objeto indistinguível em sua mão. “Existem motivos pelos quais eu faço as coisas que faço, mas acho que elas só funcionam pra mim mesmo. É que cada um desses métodos tem a ver com a forma como eu classifico cada coisa… enfim. Acho que você não gostaria de ouvir tudo”.

“Tem sim um pouco de técnica nas coisas que eu faço, mas eu acho que é quase uma arte”, falou Isabela. “Quando eu tento pegar um passinho de dança, ou quando vou aprender algo pra investir na bolsa, ou pra pensar as piadas que eu penso, tem sempre uma compreensão meio esquemática das coisas, mas eu acho que isso vem natural, sabe? Faz as coisas ficarem mais bonitas justamente porque fazem mais sentido”.

“… E é por isso que eu acho que não foi isso o que aconteceu, Augusto”. Caio terminou seu argumento.
“Acontece que eu não entendo isso, Caio. Simplesmente não entendo”, Augusto retrucou. “Parece que não entra na minha cabeça que ele teria feito aquilo. É incoerente. Não faz sentido com o que ele tinha me dito antes, com o que ele fez. Então não faz sentido, e eu não entendo. Tenho certeza de que tem algo estranho aqui e eu vou investigar mais pra saber. Essa narrativa não faz sentido pra mim, então não é real”.

“Eu não cheguei a ler esse autor”, assumiu Bruno. “Eu já sei que a ontologia dele não casa com a que eu estou construindo, e eu não concordo também com a ideologia dele. Prefiro gastar meu tempo lendo aquilo que vai me ajudar a aperfeiçoar meu sistema ideológico que estou montando, o resto é resto”.

O principal conceito que será usado aqui para explicar o Pensamento Introvertido (Ti) é o conceito de “sistema”. Um sistema é, por definição, um conjunto de elementos em que as partes articulam-se entre si. Ou seja, para se entender um sistema, deve-se dividir segundo os critérios adequados, quais são os elementos que o compõem e como eles interagem. Às vezes, as partes de um sistema são facilmente definidas: cada um dos ingredientes de um prato ou cada peça de um motor, por exemplo. Em outras vezes, a divisão é mais claramente subjetiva, mesmo que tenha um método claro para tal: separar grupos de espécies em clados e táxons, tipificar ações em éticas e antiéticas ou definir conceitos filosóficos com precisão são exemplos. De qualquer forma, o mundo inteiro é divisível, e cabe à mente humana saber o que deve dividir e o que deve agrupar. Em quantos trechos uma pessoa divide sua rota de casa ao trabalho ou ao estudo? Como ela decide quais temas incluirá em um texto ou apresentação? Essas questões, presentes num geral em todos os seres-humanos, são particularmente sensíveis e intensas para o Pensamento Introvertido. Ou seja, quanto mais presente essa função está numa pessoa num momento, mais ela influenciará e impulsionará a pessoa a trabalhar as questões da criação de sistemas subjetivos de entendimento do mundo, principalmente do processo de análise que divide e categoriza o mundo em partes que fazem sentido.

Em primeiro lugar, então, o Pensamento Introvertido está relacionado à ideia de sistemas porque ele os usa para dar sentido e coerência ao seu mundo. Existe um processo racional e bem definido, no Ti, da necessidade de dar algum tipo de sentido lógico ao mundo, para que apenas assim o indivíduo possa tomar as decisões que creia serem cabidas e coerentes. O Pensamento Introvertido busca definir princípios subjetivos que operem de forma independente do objeto, mesmo quando ele usa parte do objeto para defini-los. Em suma, como processo de julgamento, o Pensamento Introvertido define-se pela tomada de decisão com base em lógica (princípios impessoais) subjetiva. Entender o mecanismo da função requer, portanto, entender melhor cada uma dessas definições e como elas trabalham juntas.

A impessoalidade muitas vezes é uma ilusão. Décadas de teoria em psicologia, filosofia e ciências sociais mostram como todos estão, em maior ou menor grau, imbuídos dos valores de uma época e, portanto, reproduzem crenças, sentimentos e valores dela. Até mesmo a escolha mais impessoal de todas carrega, em seu seio, algum tipo de valoração, inclusive política. Mesmo assim, é possível falar de decisões pessoais e impessoais tanto pelo grau maior ou menor de pessoalidade/carga valorativa, quanto pela impressão que a pessoa tem de estar ou não sendo impessoal; ou seja, do quanto ela se sente vinculada às decisões que está tomando. Decisões com baixo grau de pessoalidade e que sejam vistas como impessoais e desvinculadas dos valores são associadas à função Pensamento. Nota-se, claro, que essa definição de “lógica” (ou seja, princípios impessoais) não é necessariamente de qualidade e, em absoluto, não equivale a inteligência ou capacidade de raciocínio. Mas o que significa uma impessoalidade subjetiva, como no caso do Pensamento Introvertido? Significa que, mesmo que os princípios almejados não sejam valorativos, eles vêm do sujeito e para o sujeito, e tentam ser, ao máximo possível, independentes daquilo que propõe ou quer o objeto. O crivo do sujeito desses princípios basta por si só, e eles operam dentro do mundo subjetivo, dando sentido às coisas sem precisar de um aporte lógico externo. É justamente com isso que o Pensamento Introvertido também busca independência. Muitas vezes, não basta apenas extrair do indivíduo esses princípios, mas é preciso fazer uma demarcação clara entre eles e o objeto, o que ocorre com bastante frequência no Pensamento Introvertido dominante. Os princípios, após serem introvertidos (assimilados) no sujeito, devem ser protegidos do objeto. Ao passo que isso, como qualquer função introvertida, dificulta a absorção de fatos e mudanças importantes que o mundo externo proporciona, também garante um alto grau de questionamento vindo do Ti, porque o que faz sentido para o sujeito é mais importante que o que realmente existe, ou que o que é defendido ou consensual entre outras pessoas.

O Ti funciona pela criação de um sistema e, consequentemente, pela tentativa de compreensão deles. Ou seja, a forma como o indivíduo com Pensamento Introvertido consegue ler o mundo é quando compara os sistemas que identifica à sua volta com o fundamental sistema que desenvolveu (e segue desenvolvendo) internamente. O sistema lógico interno do Pensamento Introvertido é um conjunto de princípios articulados e necessários para que ele tome as decisões almejadas como função de julgamento (ou seja, função racional). Por isso, algo de suma importância para o Ti é um raciocínio que dê sentido ao mundo um sentido próprio, subjetivo, no entanto. Note-se que, aqui, há uma diferença entre dar sentido e dar significado ao mundo. É possível dar sentido a algo sem atribuir-lhe qualquer significado intrínseco, fenômeno que cabe mais às funções de percepção introvertida. A tentativa do Pensamento Introvertido de dar sentido refere-se a entender as coisas como um todo coerente para que o próprio indivíduo possa decidir e julgar a partir dessa coerência, que reflete o mundo interno. Dado isso, é fácil pensar por que o Pensamento Introvertido tem uma inclinação ao método analítico, ao conceito de análise mais radical (ou seja, direcionado às raízes). O método analítico, como pincelado anteriormente, divide um todo em partes ou elementos e estuda cada parte para favorecer a compreensão das relações, causas e consequências entre essas partes. É entendendo como as partes funcionam e como tudo “se encaixa” que o Pensamento Introvertido pode sentir que deu coerência ao mundo e, claro, às suas ações. Como tudo tem que fazer sentido, o Ti dá preferência pela forma de lidar com as coisas que também faça sentido, o que requer sacrificar aquilo que parece não encaixar tão bem.

Um tema sensível para o Pensamento Introvertido, nesse bojo, é o trabalho em conceitos e definições. Explorar definições exprime o que é importante para a coerência lógica buscada pelo Ti. Ao mesmo tempo em que, para muitos usuários de Ti, lidar e entender conceitos com clareza é um ponto de atenção, a vocação individual e subjetiva do Ti leva o usuário a trabalhar esses conceitos dando preferência para o entendimento pessoal dessas palavras. A prioridade para o Pensamento Introvertido é, claro, os conceitos que fazem sentido para o indivíduo. Até existe, pelo mesmo motivo, o interesse em compreender as definições usadas por outros, mas elas também são lidas como conceitos subjetivos de cada um. Mesmo assim, como a primazia é do que faz sentido, é muito mais comum para um usuário de Ti declarar que não concorda com um conceito usado e tentar refiná-lo ao máximo possível. O tema da precisão também é importante para o Pensamento Introvertido porque geralmente é nela que o indivíduo encontra a coerência que almeja. Se um elemento é reconhecida como parte do sistema analisado, ele passa a ser impessoalmente reconhecido como importante para a constituição daquele todo. Por isso, eliminar o elemento importante pode ser complicado para o Pensamento Introvertido, principalmente o dominante (o Pensamento Introvertido auxiliar, principalmente nos ESTP, tem mais facilidade em evitar a precisão e o preciosismo em nome da simplicidade e da praticidade).

Com esse conjunto de características apresentadas, é comum que o Pensamento Introvertido interesse-se por formas de compreender o mundo que lhe permitam lidar com ele de alguns jeitos específicos. O Ti tem uma propensão teórica muito significativa, porque tenta entender o mundo favorecendo a precisão e a coerência, e isso passa com facilidade por querer estudar fenômenos que lhe interessem. Há, geralmente, uma espécie de esquematização da realidade com base em divisões e compartimentalizações de conceitos e elementos: o método analítico, como dito antes. Por esse motivo, diferentes áreas do conhecimento parecem ter sofrido influência do Pensamento Introvertido, de alguma forma, da filosofia à economia e à biologia. O exemplo clássico de raciocínio associado ao Pensamento Introvertido é a filosofia kantiana. Em todos os seus aspectos, ela é altamente rigorosa em princípios e tenta ancorar tudo no conceito de razão para Kant. Até mesmo a ética kantiana tenta ser universalizada a partir de um princípio lógico específico (agir de maneira que sua ação possa ser universalizada), princípio esse que preza pela coerência de ação em absolutamente qualquer circunstância. O imperativo categórico de Kant tenta, por exemplo, definir que a mentira, por essência, é errada, independentemente do contexto no mundo externo. Também bastante relacionado ao Ti é o pensamento cartesiano. O intuito do cogito de Descartes foi, justamente, ancorar em pura reflexão lógica universalizante (mas subjetiva) a realidade. Também o plano cartesiano, a divisão do espaço em dois eixos perpendiculares para melhor análise (decomposição) de cada ponto é bastante exemplar do Pensamento Introvertido. Inclusive, esse uso do plano cartesiano para gráficos e modelos reflete-se em outro campo acadêmico bastante Ti: a economia neoclássica não econométrica, que basicamente se debruça em pensar modelos econômicos a priori baseados em princípios “lógicos” do funcionamento da economia, especialmente a lei de oferta e demanda. Além disso, no campo da compartimentalização, os sistemas classificatórios que precisam definir-se a si mesmos e agrupar conjuntos (incluindo a própria teoria dos conjuntos no estudo da Lógica) também dialogam com a função. Por esse motivo, é fácil associar a biblioteconomia e a taxonomia ao Pensamento Introvertido. Contudo, esse conhecimento investigativo pode não necessariamente ser teórico no sentido estrito da palavra. Ele não precisa dedicar-se apenas abstrações de entendimento da realidade, mas também pode ser investigativo com fatos, eventos e objetos, como o interesse por desmontar uma peça mecânica e ver como ela funciona. Outras formas de investir nesse pensamento investigativo podem tratar de forma mais impessoal até mesmo a arte, a religião e a moral individual. A produção artística associada ao Pensamento Introvertido, por exemplo, costuma tentar essa visão de mundo entre o que faz e o que não faz sentido, com algo de distanciamento do indivíduo para a coisa criada. É comum que os usuários de Ti estabeleçam algum princípio que queiram exibir ou desconstruir sobre seu entendimento lógico do mundo ao criar algo.

Para além do entendimento, como o Pensamento Introvertido é uma função de julgamento, o processo de tomada de decisões também é muito importante para a função. Já foi trabalhado o lado principiológico da função, mas também há outra vertente da impessoalidade: a técnica. O Pensamento Introvertido conduz o indivíduo a um pensamento que, quando prático, trabalha muito com a técnica. A técnica, nesse caso, é o reflexo prático da sistematização de causa e efeito pretendida pelo Ti. É nesse campo que os usuários de Pensamento Introvertido auxiliar (ExTP), principalmente ESTP, costumam identificar-se mais. A técnica vai desde a orientação para um raciocínio coerente com o que foi aprendido anteriormente à elaboração criativa de táticas, esquemas e “macetes” que ajudem nos objetivos do usuário de Ti. Como o Pensamento Introvertido precisa ser independente do objeto e das estruturas que definem como as coisas devem ser, essa função é mais propensa a desenvolver essas pequenas táticas que funcionam e fazem sentido para a pessoa, mesmo que possam ser pouco recomendadas no consenso objetivo. A depender do indivíduo, esse uso da técnica e das técnicas pode ser mais ou menos rigoroso, mais ou menos simplificado (mas nunca totalmente; o Pensamento Introvertido adiciona complexidade mesmo às funções que preferem trabalhar com simplicidades). Geralmente, Ti-dominantes (IxTP) tendem a ser bem mais rigorosos nesse uso da técnica, quanto Ti-auxiliares são mais flexíveis.

Obviamente, é importante lembrar a desconexão entre Pensamento Introvertido e inteligência. É um salto lógico até compreensível: se existe criatividade, dedicação e impessoalidade em um raciocínio lógico que faça sentido, seria fácil pensar que houvesse algum tipo de inteligência lógico-matemática vinculada ao Pensamento Introvertido. Mas a realidade não mostra esse raciocínio. Existem raciocínios totalmente coerentes consigo mesmos mas completamente equivocados no diálogo com o objeto. Um usuário de Pensamento Introvertido pode, por exemplo, tentar dividir sua cidade com base em critérios próprios que fariam total sentido, mas, se ele passar a agir como se apenas sua divisão for a correta, ele estará simplesmente errado: se a divisão usada pela prefeitura e pelas pessoas é por bairros e zonas, é por aí que ele deveria começar a entender a cidade. Pior ainda, existem outros usos do Ti que, além de ignorarem o mundo externo (como, na verdade, é bem comum no Pensamento Introvertido), ainda tentam agrupar coisas de um jeito forçado, apenas porque faz sentido na cabeça do indivíduo e nada mais. Os tipos com Pensamento Introvertido dominante são bastante propensos a acreditar que, se existe uma teoria que eles criaram ou aceitaram (por exemplo, a de que o mercado é perfeito), então a realidade necessariamente corresponde àquilo. Não adianta falar que Platão criou 4 temperamentos quando ele não criou 4 temperamentos. Por essas e outras, é sempre importante frisar que funções não definem inteligência alguma.