Relações entre as duas funções opostas
Como já dito, em termos gerais, a imparcialidade é um mito. Entender o mito e a realidade dentro da imparcialidade é um bom caminho para se falar do eixo que liga o Pensamento Extrovertido ao Sentimento Introvertido. Para isso, pode-se começar lançando mão da definição aristotélica de justiça: tratar os iguais igualmente e tratar os desiguais desigualmente, dando a cada um o que lhe compete. A pergunta que sempre vem dessa definição é decidir o que é a igualdade e quais decisões retratam a igualdade e a não-igualdade. Metaforicamente, a tarefa de decidir essas coisas cabe, como um todo, ao eixo TeFi. Metaforicamente porque essas questões podem ser importantes para qualquer um, porque são humanas, mas ajudam a ilustrar a oposição entre a pessoalidade individual do Fi e a impessoalidade coletiva do Te.
Como decidir os iguais e os desiguais? Aristóteles, Te-dominante, observou a lógica objetiva de sua época e seu lugar e acreditou que sua impessoalidade era absoluta. Isso é, obviamente, um mito. Mas, nos olhos do próprio Aristóteles, definir iguais e desiguais para aplicar isso é um método totalmente possível. E, de fato, não é uma tarefa inócua apenas porque é impossível. Embora a objetividade ideal não exista, não significa que o trabalho ao redor dela não traga benefícios e não possa gerar frutos sociais e pessoais. Da mesma forma, abraçar por completo a pessoalidade pode ter seus próprios malefícios. E, embora esse tema seja mais sensível no caso da oposição entre Fi e Te, ele diz respeito a todos os tipos e à teoria junguiana como um todo. A própria natureza da extroversão a torna mais objetiva que a introversão: por definição, a extroversão é a orientação ao objeto, então claramente é objetiva. Essa objetividade junguiana, relacionada ao vínculo com o objeto (o que está fora do sujeito) como ele é tem relações com a noção de objetividade como sinônimo de impessoalidade. A Sensação Extrovertida (Se) é a função mais objetiva, enquanto o Pensamento Extrovertido é a função mais impessoal. Ou, no caso de alguns usuários, é mais uma autoimagem de impessoalidade que uma impessoalidade de fato. Mas, como aqui foi dito, existem graus diferentes de impessoalidade, e é possível diferenciar aquilo que é mais ou menos impessoal, mesmo que nunca ideal.
O fato de todas as pessoas terem uma função auxiliar e inferior de orientação contrária (extrovertidas em introvertidos e introvertidas em extrovertidos) mostra como ninguém é privado da subjetividade e da objetividade, assim como a presença de Sentimento e Pensamento nas pessoas também reforça a presença de pessoalidade e impessoalidade, uma influenciando a outra. Como a tipologia trata de preferências, algum aspecto será valorizado e outro será vulnerável, mas todos estão presentes.
Com relação a Te e Fi, a tendência é que o primeiro iguale demais, transformando informações em regras, enquanto o segundo desiguale demais, transformando informações em exceções. Na busca por critérios de decisão objetivos, Te homogeniza práticas, decisões e situações para se distanciar delas: se é eficiente; se é correto; se é o acordado; se é construtivo — logo, é aplicado. Por outro lado, o caráter subjetivo e valorativo do Fi pressiona o indivíduo a julgar o bom e o ruim, o justo e o injusto, sob a bússola pessoal do próprio indivíduo. E, com isso, as diferenças que saltam, por menores que sejam, são mais facilmente evidenciadas e entram no julgamento como incômodo, frustração ou reatividade, mas sempre dependentes do valor atribuído pelo Fi àquele detalhe.
Por esse motivo, quanto mais alto o Te numa pessoa, maior a tendência de ela querer se afastar de qualquer proximidade com o fator subjetivo que turve sua capacidade de julgar objetivamente. E, portanto, o Te tende a querer se afastar da própria subjetividade, imergindo num mundo de estruturas de pensamento, projetos, informações e lógicas objetivas que não turvem sua capacidade de igualar, identificar e criar essas mesmas estruturas, projetos e informações, retroalimentando a necessidade do mundo objetivo. Essa necessidade pode chegar a ser desconfortável, para Te-dominantes, deixarem de justificar suas grandes decisões na vida sem o apoio dessas formas externas de pensamento. Isso pode ser visto como uma forma de os usuários de Pensamento Extrovertido garantirem que estão igualando-se com o mundo, seja o mundo que eles devem seguir ou o mundo que eles querem seguir. Afinal, nenhum tipo está isento do desejo. Por outro lado, é apenas na subjetividade que o Sentimento Introvertido encontra sua forma natural de ser. Por isso, para ele é impensável viver sem constantemente definir e redefinir quais gostos, vontades, princípios e processos lhe são subjetivamente alinhados.
Essa oposição costuma ser um dos principais conflitos dentro dos usuários de Te e Fi: fugir da objetividade ou da subjetividade porque um dos dois os distanciará de seu modus operandi. Em termos gerais, essa fuga acontece nos outros eixos: cada função alta foge de sua função baixa oposta assim como é intrinsecamente dependente dela. No caso específico de Te+Fi, é provável que os dois lados se vejam tratando os iguais igualmente e os desiguais desigualmente. Uma coisa que os une, no entanto, é a maior proximidade com a lógica da imposição e da certeza, em oposição à lógica do convencimento e da sutileza mais comum nos indivíduos com TiFe.
Pela ideia de que o diálogo ocorre no campo dos valores e que sistemas lógicos podem ser mudados apenas pelo que faz sentido, indivíduos com Ti e Fe são mais propensos a acreditarem que podem e devem ser convencidos de algo. O grande problema está no fato de que eles não necessariamente serão convencidos; xxFJ e xxTP podem ser igualmente irredutíveis, teimosos e cabeça-dura sobre opiniões e decisões, mas seu eixo mais comumente os compele a acreditar que podem ser convencidos se seu sistema lógico for refutado e se o arcabouço valorativo externo justificar isso. Também por esse motivo, esses tipos podem sentir-se mais facilmente lançados em “joguinhos” e táticas na tentativa de convencer o interlocutor de certo objetivo. O eixo TeFi, por outro lado, é mais provável de seguir um pensamento de que ele não poderá ser convencido. Curiosamente, eles até podem ser convencidos, mas isso tende a passar por sua cabeça como a adoção de uma nova certeza e uma nova regra (pessoal ou impessoal). Diante de um xxFP ou um xxTJ, é mais fácil notar uma sensação de “eu não serei convencido”, mesmo que a pessoa acabe sendo de fato mais facilmente convencida. Isso é muito comum em Te-dominantes, cuja atitude extrovertida e o diálogo com lógica externa os fazem adotar certezas externas com facilidade e criatividade. O contraponto da lógica da certeza, no entanto, é a lógica da imposição. Sem a sutileza do convencimento, o eixo TeFi é mais propenso a parecer autoritário em comportamentos e tomadas de decisão, mesmo quando guarda os julgamentos para si. A leitura das coisas como regras pode acometer um Te-alto, influenciado por uma rigidez moral inconsciente de Fi-baxio, ou um Fi-alto, influenciado por uma mentalidade reformadora torta de Te-baixo, a adotar uma postura mais impositiva com relação àquilo que deve ser aceito por imposição, não convencimento.
Claro, nem todos os usuários de Te e Fi farão isso. O Te-alto também pode preferir o convencimento puramente no plano de fatos e raciocínios objetivos (como um artigo científico ou uma lógica da eficiência) e ser incrivelmente suave no trato. Não por querer convencer, mas por não sentir necessidade ou vontade de impor. O Fi-alto também pode simplesmente querer fugir da imposição, classificando as decisões individuais de cada um como competentes apenas a cada um, caso seu arcabouço valorativo seja individualista o suficiente para ele defender que cada um faz o que quer. Novamente, esses exemplos provam que nenhum padrão comportamental é absoluto em tipologia e as exceções são quase tão importantes quanto os padrões. Entender o funcionamento cognitivo abstrato de alguém requer ir além dos comportamentos e entender as maquinações e justificativas que a pessoa dá a si mesma. Também é possível notar usuários de Ti+Fe em posições de imposição quando se sentem num lugar de autoridade, por exemplo.
O que é regra para você? Latente ao eixo TeFi, está metaforicamente a transformação de valorações em regras estruturadas e o questionamento dessas regras a partir de uma valoração do indivíduo em relação a elas. A variedade, claro, está em quais coisas são vistas ou estruturadas como regras, ou quais questionamentos devem ser feitos a depender da relação entre pessoalidade e impessoalidade, e isso pode variar muito de usuário a usuário. Como dito anteriormente, dado que a impessoalidade perfeita é um mito, as motivações, os contextos e as histórias de cada indivíduo alterarão as manifestações comportamentais dos usuários de TeFi a partir dos padrões aqui apresentados. A disputa entre o envolvimento direto e pessoal e o não envolvimento sistemático e impessoal estará em jogo. Assim, curiosamente, a forma que o Pensamento Extrovertido tem de se integrar ao objeto é justamente tirando seu próprio envolvimento pessoal do caminho, enquanto o Sentimento Introvertido só pode manter-se fiel a si mesmo quando se joga pessoalmente naquilo que julga.
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