Relações entre as duas funções opostas
Aos olhos do Pensamento Introvertido (Ti), o contrário de “independência” é “dependência”. Aos olhos do Sentimento Extrovertido (Fe), no entanto, o oposto de dependência seja melhor representado por interdependência. Essas três palavras: independência, dependência e interdependência representam uma faceta importante dos conflitos entre Ti e Fe. Enquanto o Pensamento Introvertido se propõe a trabalhar e julgar independentemente do objeto, traçando uma compreensão própria de sistemas e classificações, o Sentimento Extrovertido favorece o diálogo e as premissas valorativas que são aceitas dentro de certo contexto maior, subjugando-as ou sendo subjugado por elas, ou, de uma ou outra forma, dialogando e gerando interdependência. Não é útil para o Fe se você falar e ninguém escutar, então a função requer uma interdependência entre emissor e receptor, mesmo que o emissor tenha em mente a provocação e a chacota ou manipulação e falsidade. A extração de valores objetivos revela a interdependência, no ponto positivo, que o Sentimento Extrovertido gera entre o eu e os outros. Enquanto o Sentimento Extrovertido preza pela relação de troca entre o palestrante e sua audiência, o Pensamento Introvertido tem isso como secundário diante da necessidade de fazer sentido para si mesmo. Em última instância, o Ti arrisca ser incompreendido ou rejeitar o apelo das vozes do objeto em nome de manter a independência no campo dos princípios impessoais, da função Pensamento. Por outro lado, em última instância, o Fe arrisca perder coerência ou sofisticação de pensamento em nome da interdependência e do diálogo. Note-se que essa relação não implica necessariamente um leque de comportamentos definidos: um Ti-dominante pode usar essa independência para criar um sistema próprio de conceitos para decidir um método de como agradar as pessoas, ou um Fe-dominante usar a interdependência valorativa para comunicar suas maiores emoções de ódio e tristeza, sem conscientemente perceber que não está realmente aberto aos outros. No entanto, mesmo com essa variabilidade, certas manifestações de comportamento ou pensamento são mais comuns que outras. Note-se também que a relação entre as funções é complexa a ponto de, pelo próprio viés de cada uma, a oposição ser diferente. Qualquer usuário de Fe e Ti, sob o viés da Ti, sentirá que independência se opõe a dependência. Esta analogia é até fiel porque o Pensamento Introvertido, buscando a fidelidade com o que “faz sentido”, tende a ruminar sobre conceitos e etimologias, e o radical “in-” se define por colocar oposição. Então, para o Pensamento Introvertido, é natural que dependência e independência sejam opostos pelo próprio significado etimológico. Ao Fe já é comum a tentativa de adaptar os conceitos àquilo que ele valoriza, o que pode ser associado a opor dependência com interdependência. A forma de escrita de Paulo Freire, novamente, indica essa tendência: é muito comum que o autor reclame para si, como bons, alguns conceitos que eram vistos como ruins pela sociedade por outro ponto de vista. Em “A Educação como Prática da Liberdade”, ele reclama o conceito de “radical”, dando uma interpretação própria que colabore com o que quer valorizar e influenciar no mundo externo.
Contudo, como são dois lados da mesma moeda, trabalham necessariamente juntos. O conjunto de Ti+Fe tende a operar, nessa questão, pela premissa “eu dialogo com seus valores, mas entenda meus conceitos”. O campo de apego principiológico dos xxFJ e xxTP é internalizar um sistema lógico de conceitos para aplicar onde for necessário, e ter um campo de princípios pessoais que possa ser flexibilizado em nome do entendimento desses conceitos (ou da provocação, como já foi dito). Há formas e formas de operar “táticas Ti” para alcançar objetivos tipicamente associados ao Fe, e vice-versa, o que pode indicar a presença dessas duas funções influenciando a forma como cada indivíduo vê o mundo. Como dito anteriormente, essas manifestações comportamentais estão longe de ser regras absolutas e considerar o contexto é fundamental. Mas, entrando-se nos exemplos mais comuns, é possível pensar na pessoa que tenta soltar comentários “sagazes” e fazer jogos de palavras ou “tiradas” na busca de satisfazer interesses frequentes do Sentimento Extrovertido de interagir ou provocar as outras pessoas ou uma “plateia”, direcionando-se às expectativas valorativas dela e brincando a partir das técnicas criadas pelo Ti.
Até mesmo para influenciar e gerar controle sobre as expectativas valorativas do ambiente, o Sentimento Extrovertido se apoia nos conceitos lógicos apegados do Pensamento Introvertido. Essa postura tem impactos interessantes na forma como usuários de Fe+Ti operam, por exemplo, em debates, em oposição a usuários de Te+Fi. Como a lógica é subjetiva, há menos uma busca de uma “verdade construtiva”, da qual se possa extrair práticas impessoais e universais, e mais um convencimento na tentativa de questionar premissas ou refinar conceitos a partir de posturas do que faz sentido, e as âncoras desse tipo de debate costumam ser os valores compartilhados pelas partes. Seguindo o mesmo princípio, pode haver na fala dos usuários de Fe e Ti um tom de justificativa de suas ações que precise apenas fazer sentido para apelar aos valores do mundo externo. É mais comum que usuários de Ti e Fe pareçam querer dobrar palavras e conceitos na tentativa de justificar uma ação, para que ela seja aceita nos termos dos valores do objeto, em relação a usuários de Te e Fi. Embora isso pareça quase maquiavélico, é um fenômeno natural de muitas das pessoas que usam essas funções e que tem sua importância. Afinal, justificar suas ações com base em valores compartilhados pelas pessoas afetadas significa gerar compreensão mútua e amenizar situações incômodas desnecessárias. Ao mesmo tempo, isso pode virar apenas um jogo de justificativas atrás de justificativas que, na busca de amenizar o inevitável, ou descambam em desculpas ineficientes ou se transformam em um atrito de justificativas. É comum que usuários de Ti e Fe, durante o calor de uma discussão, percebam explicações causais que justificariam suas atitudes ou posicionamentos, e as lancem imediatamente. Muitos passam a acreditar de fato nessa explicação causal, porque fazer sentido é suficiente e não carece de aprovação. Outros, no entanto, podem se valer disso apenas para ganhar alguma vantagem durante aquela discussão.
Há diferenças: quanto mais alto o Sentimento Extrovertido, mais essa justificativa deve se aproximar do conjunto de coisas valorizadas coletivamente (seja qual for esse coletivo), o que dá mais materialidade e legitimidade para esses pensamentos. Quanto mais alto o Pensamento Introvertido, mais essa justificativa deve se aproximar do sistema lógico independente daquele que justifica, o que dá mais coerência interna com outras ações, mesmo que perca a legitimidade objetiva. Se as interações se tornam apenas um jogo de fazer sentido, é possível que alguém sempre tenha uma carta na manga para justificar o injustificável. Mas justificar o justificável é um processo fundamental para uma boa e saudável convivência humana. É perfeitamente compreensível que uma pessoa que perdeu a mãe não vá trabalhar aquele dia, porque é socialmente valorizado dedicar tempo a esse fato como mais importante que o trabalho. De certa forma, esse jogo de causas e consequências justificáveis é a forma que alguém pode encontrar de preservar sua independência decisória ao mesmo tempo em que mantém vínculos com os consensos (e consentimentos) baseado no que é justificável ou não. Mesmo aqueles usuários de Fe alto que se veem como altamente independentes — na base do “faço o que eu quero” — costumam precisar muito se justificar internamente ou usar fontes externas que dizem que eles não precisam justificar nada para ninguém, ou mesmo cair nesse padrão sem perceber, ao mesmo tempo em que tentam forçar uma independência claramente irreal. Isso pode significar, por exemplo, a busca de músicas com letras que falam sobre não seguir os outros como forma de se inserir em uma “cultura individualista” que justifica algo não precisar de justificativa.
Mesmo independente do objeto, o Pensamento Introvertido depende de algo: de princípios subjetivos quase intrínsecos ao sujeito, que ele sente que devem ser seguidos porque fazem sentido. Existe certa “imanência” nos princípios do Pensamento Introvertido e do Sentimento Extrovertido, principalmente quando o usuário não percebe a subjetividade da sua verdade. Embora algo similar possa acontecer no eixo TeFi, a imposição da subjetividade Ti acontece no plano da “verdade lógica” e de premissas impessoais, enquanto a imposição da subjetividade Fi acontece, quando o usuário não tem consciência dessa subjetividade, a partir dos julgamentos pessoais e valorativos. A filosofia kantiana é um bom exemplo dessa busca pela imanência lógica que regraria as próprias condutas sociais pelo que é lógico, ao mesmo tempo em que o próprio Kant tinha, como base mais ou menos consciente, também o arcabouço valorativo da sociedade em que vivia, influenciando sua tentativa de criar uma ética racionalizada em princípios bem ligados ao Pensamento Introvertido.
Assim, cabe ao eixo TiFe, metaforicamente, a função de regular, harmonizar e questionar as relações entre a tríade dependência-independência-interdependência. Mais que usar este texto para encontrar tipos, o leitor pode também usá-lo para perguntar-se a si mesmo: quais culturas sociais ele mantém e por quê? Quais lógicas ele reconhece como válidas e como elas podem afastá-lo de seu convívio humano? Onde tudo se conecta e se justifica?
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