Introdução, panorama geral, definição e principais manifestações
“Às vezes eu acho que tudo à minha volta é muito intenso, sabe?”, comentou Juliana. “Por vezes dá até pra sentir que as coisas são grandes demais, mas essa também é meio que a parte divertida da história. Eu sou sensível, e por isso gosto de aproveitar as coisas aos poucos. Como tudo é muito intenso, eu quero aproveitar cada detalhe aos poucos. Sei lá, parece que as coisas são intensas porque cada detalhe é infinito”.
“Não, obrigada, eu não sou de comer muito”, respondeu Mariana. “Eu amo comer, amo. Mas eu prefiro quando eu posso desfrutar cada mordida por inteiro. Pra mim, isso é mais valioso: aproveitar o máximo de uma colherada, de cada ingrediente ou nota de sabor que eu conseguir perceber… Até mesmo nas comidas mais simples eu sinto que consigo extrair isso”.
“Eu trabalho muito, muito mesmo. Não reclamo, porque sei que estou fazendo o meu melhor. Mas cada vez mais eu tenho cultivado um sonho diferente. Não é este trabalho que eu quero para a minha vida. Às vezes dá vontade de fugir para uma casinha no interior e ficar lá o resto da vida fazendo algo que eu goste mais. Talvez cozinhar, talvez ler bastante, talvez cultivar um jardinzinho. Um dia eu consigo isso, e, até lá, vou trabalhando aqui na cidade”, disse Guilherme, olhando para o nada.
“Gostou da decoração, querida?”, perguntou Pedro.
“Sim, muito!”, disse Larissa. “Eu me sinto tão bem aqui, como se estivesse em casa”.
“Obrigado. Eu gosto muito de decoração, leio bastante sobre. Mas tudo que faço tento dar meu toque pessoal. Eu diria que gosto de dar ‘sabor’ às coisas que eu faço, principalmente ao meu ambiente. Cada arranjo que eu faço tem um sentido especial, acho. Gosto de me sentir “em casa” quando estou em casa, e é bom que você se sinta assim também”.
“Eu gosto de muitas coisas: ler, desenhar, acompanhar meus artistas favoritos, sair para dançar de vez em quando, barezinhos no fim de semana, escrever poesia… o que importa para mim é que tudo isso eu faço no meu tempo. Acho que existe tempo pra tudo (mesmo que eu procrastine um pouco hahaha). Por causa disso, eu consigo aproveitar o máximo de cada uma dessas coisas, no meu tempo e do meu jeito”, terminou Paulo.
“Fico feliz que tenha gostado da minha biblioteca. Tenho muito orgulho dela;”, continuou Gustavo, “selecionei cada livro um por um e tento ler todos, até porque adoro ler. Acho um livro não lido um desperdício. Eu tinha isso em mente quando comecei a estudar história, mas claro que tinha livros que eu gostava mais que outros. Eu entrei na história para estudar uma história que era importante para mim: a minha história, aquela dos meus antepassados, das minhas raízes, que me fizeram ser quem eu sou”.
“Este pingente tem uma história muito especial pra mim”, respondeu Vitória. “Ele me remete a um lugar bem específico, e eu sinto que quase consigo reviver o momento em que me foi dado pelo meu melhor amigo. Mesmo sendo uma pessoa meio esquecida, aquele momento é muito importante pra mim, então ele é muito vívido. Quase consigo sentir o cheiro do que eu estava comendo. Bom, hoje resta o pingente, mas nele eu consigo praticamente ver o Luiz”.
“Pode-se dizer que sou muito afeita às citações”, começou Maria Clara em seu discurso. “Me considero muito reflexiva, também por isso leio muito. E as citações de certa forma dão corpo a esses pensamentos e reflexões com as quais eu dialogo. Eu tento me guiar um pouco por elas também, e de certa forma eu sou o que eu leio”.
Uma forma poética de descrever a Sensação Introvertida é entender que perceber e experimentar as coisas sob o prisma subjetivo (introvertido) significa dar um sabor pessoal a essas experiências. Esse “sabor” são as impressões formadas dos acontecimentos concretos, que são mais importantes que os acontecimentos em si. Nem todos os usuários de Si se identificariam com a primeira forma de explicar, justamente por ser bastante poética, e nem todos têm paciência ou interesse com essa definição. Independentemente, a versão mais objetiva é a de que a Sensação Introvertida percebe o mundo concreto subjetivamente. Ou seja, ela absorve, internaliza e cria impressões próprias e únicas das experiências concretas, dos fatos e das coisas e busca trabalhar em cima dessas impressões, para essas impressões e com essas impressões. A Sensação Introvertida deleita-se perante as coisas que lhe são realmente importantes, que têm potencial de ficarem gravadas justamente porque foram experimentadas em cada detalhe, e são consideradas dignas de serem mantidas e re-experimentadas. Claro que, quanto mais criativa a Sensação Introvertida, mais o indivíduo será capaz de não apenas perceber isso, mas, se quiser, usar essa percepção de uma forma a gerar impactos positivos em si e no mundo. No entanto, como a Si é uma função introvertida, ela por definição tende a se contentar com o sujeito. É dialogando com outras funções que ela melhor pode passar da pura contemplação do objeto, com internalização dele, para uma conduta mais vinculada com ele. A primazia das impressões sobre o objeto pode ser tão forte em alguns xSxJ que a contemplação basta por si só. Nesses, é bem comum que se vejam procrastinando, ou simplesmente deixando de lado questões importantes do objeto para contemplar essas experiências nas mais mínimas e deliciosas sensações. Em outros, no entanto, as impressões sobre o objeto criam um laço tão forte com a ação e com o “ver florescer” esse objeto vinculado que o Si-user se demonstra a pessoa mais engajada e esforçada em se dedicar àquilo que o cativou. Para observar essas e outras manifestações da Si, é importante entender como funciona o mecanismo da função com calma.
Como função irracional, a Sensação Introvertida, por definição, se direciona para a percepção do mundo. Para a absorção de informações. Todas as características da função, bem como os comportamentos ou formas de pensar mais comuns de seus usuários são derivados desse fato. A Si leva o usuário a navegar nas experiências que tem em busca daquela que mais lhe interessa num plano subjetivo. Ou seja, mesmo que um acontecimento, um detalhe ou uma coisa pareça simples ou pouco interessante em termos objetivos, o fator subjetivo dá a essa coisa uma grandeza imensa e muito pessoal para o indivíduo. Assim, como pontos específicos, acontecimentos e coisas ganham uma dimensão monumental simplesmente por atiçar o fator subjetivo, o indivíduo com Si pode ver essas coisas com uma intensidade muito grande. Como essa intensidade acontece dentro dele, ela não precisa ser buscada lá fora: o usuário de Si não se joga no objeto concreto em busca da experiência mais intensa porque, para ele, até pequenas coisas podem virar gigantes, às vezes até mesmo opressivas, e ele se vê selecionando com clareza aquelas experiências que quer ter e internalizar. O fator subjetivo também internaliza essas experiências gigantes (que podem vir de detalhes como o desabrochar de uma flor ou uma vitória específica em um jogo que lhe cativou) e, por isso, elas buscam ser eternizadas. Ou seja, o usuário de Si cria impressões, e pode-se dizer de sua visão como “impressionista”. Cada fato importante é aprofundado em sua experiência, para deleite, entrega ou reflexão do indivíduo. Deleite porque a sensação, como percepção do concreto e das experiências, pode ter uma orientação simplesmente para o prazer advindo dessa experiência. Engana-se pesadamente quem atribui apenas as funções de percepção extrovertida a ideia de diversão e ignora que a Sensação Introvertida também tem o mesmo potencial de deleite do mundo concreto que a Sensação Extrovertida, mas o faz sob um prisma pessoal, diferente e único, que dá relevância a fatos específicos que podem até parecer sem importância para olhos alheios. Entrega porque, diante de uma experiência com potencial tão gigante, a Sensação Introvertida é a função com maior possibilidade de se entregar a essa coisa ao internalizá-la como parte de si. Isso também será desenvolvido mais tarde. Por fim, reflexão porque, como toda função introvertida, ainda mais de percepção, a absorção provida pela Si traz grande capacidade reflexiva para aqueles que a usam desse jeito. A reflexão sobre os fatos carrega consigo um filtro intrínseco do que é importante de ser conhecido ou entendido ou usufruído ou experimentado, resguardando ao fator subjetivo a última palavra nessa reflexão.
Nem todos os usuários de Si identificam-se com todas as descrições da função. Algumas parecem sérias, frias e áridas demais, outras leves e suaves demais. Em grande medida, dentre as várias manifestações possíveis da função, destacam-se três que serão exploradas mais a fundo nas consequências que o mecanismo teórico descrito no parágrafo anterior gera, já que nem todos os usuários identificam-se com uma única descrição, e cada função tem suas facetas: serão chamadas de “Si poética”, “Si seca” e “Si diletante”, para melhor compreensão das funções. Claro, esses tipos ideais não são universais, ou mesmo constantes num indivíduo, mas ajudam a entender as diferentes Sensações Introvertidas em pessoas de lugares, gêneros e faixas etárias diferentes. Também pelo mesmo motivo, outros usuários de Si podem se ver em até mais de uma descrição, a depender do ponto de vista que cada um tem das palavras usadas.
A “Si poética” é a que mais facilmente percebe-se como uma função sensível e criadora de uma visão única e pessoal das coisas. É inclusive interessante notar que muitos usuários de Si gostam de poesia, de ler ou escrever, exatamente por se verem como dotados de uma visão pessoal sensível das coisas e quererem exprimi-la de alguma forma. Essa manifestação da Sensação Introvertida frequentemente se vê como interessada em dar o “sabor” às suas experiências, mencionado anteriormente. Isso muitas vezes também leva a uma tentativa de dar sabor ao próprio ambiente, tornando a experiência dentro dele a mais agradável e/ou confortável possível. Não por menos, a prática da decoração de ambientes é muito associada à Si. Ela diz, justamente, de criar e dar ordem a um ambiente para que sua experiência seja subjetivamente prazerosa a quem ali esteja, em cada detalhe que foi definido. Muitos usuários de Si não são assim, porém. Podem ter sua Si orientada para outros objetos que não as coisas de seus ambientes, e serem até bastante desorganizados. Além disso, outras palavras comumente associadas à “Si poética” são a de dedicação, devoção e cuidado. Essas questões podem ser direcionadas a coisas, pessoas ou interesses, mas se derivam do mesmo ponto: como o mundo concreto gera experiências específicas que são internalizadas, e as coisas que as geram se tornam gigantes, a Si costuma ter uma tendência muito grande a devotar-se a essas coisas com a sacralização que é comum às funções de percepção introvertida.
A maioria dos usuários de Si forte (auxiliar ou dominante) tem algo com que geram o vínculo de devoção e dedicação, mas nem todos olham para isso da forma poética dita anteriormente. A “Si seca” costuma se ver mais pelo prisma da honra, da praticidade ou do método. Honra e devoção são duas palavras muito intimamente relacionadas, e dizem respeito a um vínculo a algo considerado bastante concreto por aquele que as internaliza. Se não honrado, o usuário de Si pode ver sua função como uma capacidade de reflexão factual e prática, mas mais cuidadosa que aquela da Sensação Extrovertida, justamente por sua capacidade de apego a detalhes mais específicos (sempre se forem valorizados subjetivamente), o que pode levar a facilitar um pensamento metódico, se associado com as funções de julgamento. Muitos usuários de Si gostam de construir um arcabouço cultural ou intelectual muito sólido, e eles estão entre os maiores leitores da tipologia, principalmente se considerarem o livro como uma fonte concreta de impressões. Mesmo se não lerem textos propriamente ditos, esses usuários de Si forte (xSxJ) gostam de se ver como estudiosos (não necessariamente no sistema de educação formal), e até teóricos, se a teoria em questão dialoga com algum aspecto concreto e/ou prático de seus interesses.
A “Si diletante” é aquela mais orientada à Sensação propriamente dita, como também já comentado. Aquela que está algo presente nas pessoas dos dois outros tipos de Si, e também em outros usuários que não se identificam tanto com leituras que acham meio “rígidas”, até porque poucas se dedicam a explicar a Si fora de imagens muito sérias, profissionais ou familiares da função. A “Si diletante” é aquela que se diverte como qualquer outra função, talvez até mais, se estiver exposta às experiências certas. Isso porque o número de experiências que interessa à Si costuma ser menor: ou o usuário é mais seletivo, ou é mais cauto, ou prefere experimentar as coisas “uma a uma”. Ele não deixa, no entanto, de aproveitar os momentos que lhe são importantes e dar sentido a eles justamente por esse deleite subjetivo que acomete uma dança específica, um restaurante ou prato específico, e que se desdobra em mil outras sensações a partir das internalizações que foram acumuladas ao redor daquela coisa. O acúmulo de experiências gera impressões e sensações sobre certa coisa em todos os seres humanos, e nos usuários de Si isso é ainda mais importante. Da mesma forma, a Sensação Introvertida também pode se vincular à estética, mas costuma fazê-lo de forma diferente da Se. Ela mostra bem mais claramente o fator subjetivo e impressionista de seu criador ou interessado. Na moda, um estilo importante que pode ser associado à Sensação Introvertida é o New Look, criado por Christian Dior no fim dos anos 40, com inspiração na Belle Époque e influenciando a década seguinte do vestuário feminino. O New Look rejeitava a simplicidade prática e árida dos anos de recessão e guerra e apostava em uma riqueza no uso de pano, com mais detalhes importantes e uma silhueta feminina bem marcada. O New Look favoreceu um retorno ao glamour e a sensações mais refinadas, por causa disso.
De qualquer forma, algo que existe em comum na Si é a necessidade de eternização ou sacralização. Como a experiência subjetiva é internalizada, ela favorece que seja eternizada, porque é considerada “o que importa de verdade”. Nesse aspecto, por mais possivelmente detalhista que seja a Si, muitos xSxJ apreciam o conceito de “simplicidade”, que age diferente daquele apreciado pelos usuários de Se. A simplicidade da Si significa a priorização daquilo que realmente importa, daquilo que é digno de ser eternizado justamente por ter um valor quase sagrado, ou efetivamente sagrado: a religiosidade Si costuma ser bastante apegada a um tipo de ritualismo que favorece coisas, movimentos e atitudes sacralizadas por si sós. O melhor exemplo para esse tipo de religiosidade Si está no xintoísmo japonês e sua relação cuidadosa com cada deus e espírito em cada rio, montanha ou templo. Também a ritualística do cristianismo dialoga bastante com a Sensação Introvertida, além da estética. Particularmente a estética barroca, em sua riqueza de detalhes feita para causar um maravilhamento divino, pode ser muito associada à Si. Em formatos mais laicos, a Si traz seu desejo de estabilidade e eternização das coisas importantes em outros aspectos. Muitas vezes é dito que usuários de Si gostam de rotina. Essa é uma generalização apressada, embora não de todo errônea. O problema dessa frase está na ideia de que todos os xSxJ adoram todos os aspectos de sua rotina, e isso não faz sentido sequer com a definição introvertida da função, que por natureza pode se sentir acuada ou oprimida pelo objeto. Acontece que o usuário de Si valoriza aspectos da sua rotina quando e apenas quando eles são sacralizados e é criada uma forte impressão sobre eles. Como a Si é a função mais orientada à eternização, é mais fácil que os indivíduos com a Sensação Introvertida tenham sucesso naquilo que querem eternizar e extraiam sua sensação de estabilidade daquilo. Mas sacralizar algum aspecto da rotina acontece justamente porque aquele aspecto tem contornos múltiplos e prazerosos, e associar Si a uma rotina maçante contradiz a própria definição da função. A Si é subjetiva na sua percepção das experiências. Uma corrente filosófica muito facilmente associada à Si, grandemente influenciadora da psicologia, é a fenomenologia, por isso. A fenomenologia se preocupa na subjetividade com que a realidade é percebida pelo sujeito, não nas coisas como elas são. A redução fenomenológica, por exemplo, importa-se em como os objetos são percebidos pela consciência, e a psicologia fenomenológica importa-se em entender a visão pessoal do sujeito a partir dos fatos que surgem no momento.
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