Veja quais padrões e vieses são mais frequentes de acordo com as letras
Como o fenômeno do mistype é extremamente complexo (discutido a fundo no texto Identificação errada do tipo: mistype e como evitar), é ideal fazer um mapa das várias formas e tendências de mistype mais comum, ou seja, quais tipos, letras e funções tendem a se identificar erroneamente com outros tipos, letras e funções, e quais as causas e efeitos dessas tendências. Esse mapa pode ajudar a orientar a comunidade em torno de quais pontos e quais mitos devem ser mais desmistificados, quais preocupações podem ajudar a explicar melhor os tipos, ou mesmo sugerir novas possibilidades e guias para aqueles que estão com dúvida. Por exemplo, uma pessoa que ainda não tem certeza do tipo e não sabe por onde começar pode usar esse mapa para se orientar entre os tipos que já cogitou e aqueles ligados a eles. Como se verá, esse mapa é multidrecional e multidimensional, inclusive. Seria ideal poder resumi-lo em algum tipo de gráfico ou escala, mas, como os tipos se baseiam em muitas dimensões, a representação gráfica bidimensional será sempre imperfeita. Por isso, será feita uma grande lista de várias tendências de confusão entre tipos, baseada não apenas em previsões teóricas (ou seja, mistypes esperados), mas também quiçá surpreendentes tendências que a experiência do autor encontrou para as relações entre tipos. Em primeiro lugar, discorrer-se-á sobre as leis e tendências gerais que mais propiciam mistype nos tempos atuais, bem como os fatores que mais influenciam isso. Em seguida, tipo a tipo, os mistypes mais comuns serão explorados. Para cada tipo, serão listados os tipos mais propensos a se identificar erroneamente como ele. Isso significa que, para aqueles tipos mais fetichizados ou que recebem mais identificações erradas de outros tipos, as listas serão bem maiores que naqueles tipos que são desmerecidos ou exagerados, em que quase ninguém se identifica.
A principal lei sobre quais tipos enviam e quais tipos recebem mais mistype é a de que as opiniões erradas gravitam em torno do tipo com resultados mais frequentes nos principais testes divulgados fora da comunidade. Isso se dá porque, como a vasta maioria das pessoas conhece a teoria a partir de testes, ou não se furta em fazê-los quando têm dúvidas, o viés desses testes pode ser a primeira etiqueta de identidade a que uma pessoa se apegue. Quanto mais genéricas forem as perguntas e as descrições, mais facilmente qualquer pessoa se identifica e adota a sigla para si, o que consegue gerar distorções ao longo de toda a sua jornada tipológica. Mesmo que a pessoa não se apegue àquele tipo, é provavelmente ele que vai guiar suas principais dúvidas. É pouco provável que uma pessoa que tire INFP e goste da descrição em um teste vá querer no começo se considerar ESFJ, embora, como se verá essa confusão seja muito mais comum do que parece. Além disso, os testes baseados em letras dão resultados mais comuns de tipos ao redor de letras específicas que estejam enviesadas, e o mesmo acontece com os testes baseados em funções. Também é improvável que os dois tipos mais frequentes em um teste baseado em letras sejam, por exemplo, INTJ e ESFP, porque o viés aponta para letras específicas, então os tipos mais “populares” são aqueles com maior número de letras semelhantes ao tipo mais popular, ou seja, o viés principal. Isso, claro, porque se sabe que os testes não revelam o tipo verdadeiro e, muito pelo contrário, erram muitíssimo mais que acertam, e não devem ser usados como base. Quando o são, acontecem os fenômenos aqui descritos.
Atualmente, particularmente nos anos de 2020 e 2021, os tipos mais frequentes, e, consequentemente, os mais propensos a serem identificados erroneamente gravitam em torno das letras I, N e P, ainda mais no Brasil. Em outros anos recentes, as letras I e N já tinham fortíssimo viés nos testes (e, consequentemente, na comunidade), mas aos poucos a letra P também foi ganhando força a ponto de o número de pessoas que se autoidentificam como J decrescer significativamente. Isso significa que os tipos mais propensos a serem identificados erroneamente são aqueles que gravitam em torno de INFP e INTP, como INFJ, INTJ, ENFP, ENTP, ISFP e ISTP, enquanto os tipos que mais perdem pessoas identificando-se de outra forma são aqueles com as letras E e S, como ESFP, ESFJ, ESTP e ESTJ. As causas desse viés serão exploradas mais à frente. Antes disso, serão trabalhadas as diferentes tendências de mistype, sob a ótica das letras e das funções. Primariamente, no entanto, é importantíssimo frisar que o trabalho com as letras/dicotomias aqui é meramente devido a que os testes mais populares assim operam, fazendo com que muitos membros que ainda estão começando na comunidade tentem operar pelas letras. Mas, como foi dito nos posts introdutórios da teoria, nem os testes têm real valor teórico nem as letras têm muito. O ideal é mover-se pelas funções cognitivas. No entanto, como o mistype vem de um baixo entendimento da teoria ou da recusa em aplicar esse entendimento, faz sentido que muitas pessoas com tipos incorretos se orientem pelas letras.
Confusão de extroversão (E) por introversão (I) e vice-versa, ou seja, confusão entre tipos com as mesmas funções fortes e fracas, mas com função dominante diferente: esse tipo de confusão é bastante recorrente não só no começo, quando apenas se se conhecem as letras, mas também posteriormente, com as funções, já que os tipos e suas versões extrovertidas/introvertidas possuem as mesmas 4 funções em comum, mas em uma ordem ligeiramente diferente. Por exemplo, o tipo ISTJ representa as funções Si-Te-Fi-Se, enquanto o tipo ESTJ representa as funções Te-Si-Ne-Fi. Na problemática entre introversão e extroversão, há um agravante significativo que é a presença desses dois termos no senso comum sobre personalidades, mas que não deve ser confundido com os conceitos junguianos.
Como já foi dito nos posts teóricos, a extroversão não significa sociabilidade, falatório ou vontade de interagir com pessoas em festas. A introversão também não significa timidez, quietude, ansiedade social ou preferir ficar em casa. No entanto, como esse senso comum é muito difundido, ele acaba influenciando radicalmente os mistypes. É bom lembrar também que extroversão não significa “ganhar energia entre pessoas”. Infelizmente, muitos testes tratam erroneamente dessas formas. Os testes do sistema NERIS, por exemplo, usam as letras criadas pelo Myers-Briggs Typology Indicator para fazer, na verdade, uma associação simplificada com o sistema de assessment de personalidade mais reconhecido pela psicologia comportamental, o chamado Big 5. Acontece que, historicamente, a psicologia comportamental adotou as palavras extroversão e introversão, mas elas não significam a mesma coisa que em Jung, o que faz com que testes de NERIS, que tentam equivaler conceitos de Big 5 às letras do MBTI, cometam graves erros nas duas abordagens. A definição desses dois conceitos passa pela ideia de sujeito e pela ideia de objeto, duas concepções mais abstratas e que devem ser entendidas aos poucos.
Além disso, no caso da confusão pelas funções, ter em mente o funcionamento do stack é o mais útil. Embora sejam as mesmas funções, nenhuma está na mesma posição e isso tem diferenças importantes no relacionamento do indivíduo com o objeto e o sujeito, com seus pontos de vulnerabilidade principal e com as coisas em que ele melhor oscila (eixo auxiliar-terciária). Por fim, como dito anteriormente, o viés aqui é intensamente direcionado para extrovertidos acharem-se introvertidos, e não o contrário. O caminho contrário existe, mas, se você se considera introvertido, é extremamente recomendável olhar as funções extrovertidas e a extroversão como um todo para evitar vieses.
Confusão de sensação (S) por intuição (N) e vice-versa: essa confusão é o epicentro do maior número de mistypes, pelo número exorbitante de pessoas que entendem mal ou não entendem essa diferença e pelo número também exorbitante de pessoas que se identificam como intuitivas sem serem, seja por desinformação ou fetichismo. A letra N é de longe a mais enviesada por todos os testes, e as funções de intuição acabam sendo simplificadas de forma que todos se identificam. Essa incompreensão chega a ser tamanha que muitas pessoas nem sequer cogitam a possibilidade se terem função sensação alta, como se achassem que fosse um outro mundo, rejeitado sem ser conhecido. Um grande desserviço à boa compreensão dos termos está nos agrupamentos criados por Keirsey, já densamente criticados no texto sobre agrupamentos. A divisão proposta por ele, que não respeita as funções nem tem nenhum fundamento teórico sólido, é assimétrica com relação a intuitivos e sensoriais. Os grupos propostos por Keirsey para os sensoriais (xSxP e xSxJ) têm ligação com as funções, embora não com a interpretação que lhes têm sido dados. Já os grupos propostos para os intuitivos não possuem, o que aumenta a impressão de que as funções sensação e intuição seriam as mais incompatíveis de alguma forma. Essa mentalidade é alimentada consciente e inconscientemente de inúmeras formas, o que é chamado de viés intuitivo.
Como a vastíssima maioria das pessoas que entra na comunidade começa se achando intuitivo e mantendo essa mentalidade, quase todo o conteúdo produzido é focado em tipos intuitivos ou reforça essa divisão exagerada, criando uma vala que não existe entre intuitivos e sensoriais. Conforme o tempo passa e mais conteúdo é feito dessa forma, cada vez mais os tipos intuitivos vão sendo afrouxados para caber qualquer pessoa que entre, enquanto os tipos sensoriais são os que mais sofrem com a especificação que os torna nada identificáveis (a exceção sendo os tipos com Se-auxiliar, ISFP e ISTP, pela proximidade de letras dos testes que foi comentada). Até os produtores de conteúdo sobre tipologia, cientes de que conteúdos sobre intuitivos geram muito mais engajamento, mesmo quando dolorosamente errados ou genéricos, dão preferência a fazer esse tipo de conteúdo. Enfim, o que surge é um grande discurso em que, por fim, até mesmo as características estereotípicas de sensoriais podem acabar passando a ser consideradas estereotípicas de intuitivos conforme os primeiros se reduzem a “Outro” e os últimos se afrouxam.
As principais causas da leitura tão errada das funções de percepção têm a ver com a baixa compreensão dos conceitos originais, e a tentativa porca de simplificação ou “adaptação” para uma psicologia que não é junguiana. Como as funções Ni, Si, Ne e Se são funções irracionais, elas são mais abstratas e seus impactos comportamentais são menos visíveis, porque dizem respeito a formas de ver o mundo, formas de absorver informações. As várias tentativas de associação das 4 dicotomias do MBTI ao, tentam pôr a intuição e a sensação do lado do eixo “abertura à experiência” do Big 5. No entanto, isso não poderia ser mais distante da realidade. Se existe algo nas funções junguianas que é mais aberto à experiência, são as funções de percepção extrovertida, ou seja, Se e Ne. Além disso, tanto Si quanto Ni podem fazer um indivíduo aberto à sua maneira, pois, novamente, o sistema Big 5 é da psicologia comportamental e a tipologia junguiana não é igual ao comportamento. Acontece que a maioria das pessoas gosta de se ver aberta à experiência, mesmo quando nem é. Atualmente, parte importante da autoimagem das pessoas é a de ser alguém aberto a novidades, criativo, “diferente” e “peculiar”, o que os testes associam erroneamente à intuição. Por tudo isso, embora existam intuitivos que eventualmente se consideram sensoriais e sejam mistype, o fluxo contrário é tão esmagador que requer um trabalho longo e possivelmente impossível. De qualquer forma, seu papel no “mapa do mistype” é muito grande. Requer-se um estudo dedicado do que significa esse eixo de percepção e a necessidade de fugir de estereótipos ou posts simples, para se ter certeza de ser intuitivo ou sensorial. O estudo cauteloso das funções, sem nenhum preconceito, é essencial para se garantir que se está no caminho certo. Enquanto se continuar associando intuição a ser desengonçado, desastrado, esquisito, “peculiar”, “curioso”, “diferente”, criativo e progressista, mais e mais pessoas criarão grandes estigmas com a função sensação.
Confusão de pensamento (T) por sentimento (F) e vice-versa: embora haja enormes distorções na compreensão dos dois conceitos e vários mistypes ao redor, esse eixo parece ser mais equilibrado no que diz respeito aos dois lados confundindo-se entre si. Por esse motivo, não existe tanto uma tendência grande social, e mais as discussões tipo a tipo e os desentendimentos do que cada coisa significa. O maior fator social que envolve esses desentendimentos não é tanto de mistype em si, mas de um fenômeno bastante irônico: a atribuição de valor. Personalidades não são melhores ou piores – ainda mais quando não significam habilidades – mas existe um bom número de pessoas que atribui um valor positivo a tipos com pensamento alto (T) e um valor negativo a tipos com sentimento alto (F). É irônico porque a função pensamento diz respeito a impessoalidade e a baixa atribuição de valores às coisas. Mas essa dicotomia talvez só não seja mais (erroneamente) valorada quanto a de intuição e sensação. A valoração da razão sobre a emoção é algo enormemente enraizado na história do Ocidente, mesmo que a maioria das pessoas atualmente sequer saiba definir ou identificar corretamente onde está sua razão e quais são seus limites. Uma série de dicotomias problemáticas acompanha essa valoração da razão (a mente, a ordem, a “civilização”, o masculino) contra a emoção (o corpo, o caos, o “selvagem”, o feminino), ao mesmo tempo em que muito dessas divisões é ilusório (a divisão “civilização” x “selvagem” serviu unicamente como ferramenta de extermínio ao longo da história e não tem valor acadêmico ou intelectual algum). Para piorar, em Jung, tanto sentimento quanto pensamento são funções racionais. Isso joga ainda mais por terra a ideia de que a função sentimento significa qualquer tipo de irracionalidade. Ela parte de premissas claras igualmente.
Acontece que, em Jung, sentimento não significa emoção, sentimentalidade, vontade de chorar ou gostar de coisas fofas. Sentimento significa valoração: atribuir valor a algo e agir primariamente por isso. No caso do mistype, ele pode acontecer simplesmente por essa confusão (alguém se vê como emocional e se tipa como F, mesmo sendo T) ou pela valoração em cima dessa confusão. Ou seja, alguém que valorize a ideia de racionalidade, de não ter sentimentos ou não ser influenciado por eles, e se tipe como T por causa disso. A influência da tentativa de associação entre tipologia junguiana, MBTI e Big 5 é muito impactante: ao associar o sentimento com um índice de agradabilidade alta, a função sentimento fica ligada a características muito específicas de cooperação, afabilidade e gentileza. Esses termos tendem a ter um apelo maior para os usuários de Sentimento Extrovertido (Fe) alto (xxFJ), fazendo com que principalmente os usuários de Sentimento Introvertido (Fi) alto (xxFP) sejam os propensos a se identificarem erroneamente como tipos de pensamento. Mas acontece com tipos de Fe alto também. É ainda pior quando a confusão chega à discussão sobre inteligência. Circulam pela internet gráficos sem fonte correlacionando indicadores de inteligência sem muito reconhecimento aos tipos, provavelmente por um método também sem reconhecimento, para uma teoria que também não é empírica. Mas, na busca de autovaloração, muitas pessoas se apegam a isso (ou à “dedução” de que tipos T são mais inteligentes porque acham que funções são habilidades e toda lógica adotada por um T é bem-feita) e passam a declarar-se, valorativamente, como tipos T. O conjunto desses fatores (a associação de T a agrabilidade baixa e de T a inteligência) ainda ajuda a reforçar o mito de que ser rude é ser inteligente ou falar a verdade, e alimenta as pessoas que sentem que estão falando “verdades inteligentes” apenas serem rudes.
Algo similar acontece na autoafirmação autodepreciativa de outras pessoas que se identificam como tipos F, declarando-se emocionais, emotivos e sensíveis, às vezes num tom autodepreciativo de orgulho ferido, às vezes num apego positivo em lógica de mártir. Claro, essas valorações geram apego e podem muito facilmente levar a mistype, que já era provável dado o entendimento incorreto das funções sentimento e pensamento. É possível especular que pessoas com sentimento alto possam ter mais dificuldade em se ver como tipos de sentimento se, por algum motivo, valorizarem a ideia de serem lógicas e racionais. A melhor forma de fazer isso não é apenas mostrando que, em verdade, elas são valorativas, e sim mostrar onde a lógica e a racionalidade se encaixa na função sentimento, mostrar que a racionalidade pura é um mito e mostrar que lógica é diferente de frieza.
Confusão de julgamento (J) por percepção (P) e vice-versa: essa dicotomia é paradoxalmente a mais importante a mais sem significado para a tipologia junguiana e para o mistype. Mais importante porque é ela quem dita quais são as funções do indivíduo, tendo muito peso na hora de se entender a estrutura psíquica (tipos P sempre têm julgamento introvertido – Ji – e percepção extrovertida – Pe – altos, enquanto tipos J têm julgamento extrovertido – Je – e percepção introvertida – Pi – altos). Mas ela também é a com menos significado porque o número de Js que se consideram P e de Ps que se consideram J é altíssimo, já que a explicação comum para a existência dessa dicotomia (ser organizado ou não ser) não tem nenhum apelo teórico real. Ou seja, ao se deparar com a atribuição que uma pessoa fez a seu tipo, a última letra pode não dizer absolutamente nada se a pessoa não conhecer as funções.
Em verdade, tipos com as três primeiras letras em comum e diferença na última não têm quase nada em comum, tipologicamente falando. As semelhanças que se podem notar são superficiais e ditam muito pouco para a análise mais de perto. Por esse motivo, estar em dúvida entre tipos como INFP e INFJ indica que vários outros devam ser colocados em jogo e em dúvida, já que esses dois não têm em comum nem as funções nem a estrutura psíquica. Como as letras P e J têm sentido apenas se for olhado para as funções, elas são esvaziadas de impacto quando se trata apenas das letras, especialmente na tentativa de aproximação entre MBTI e Big 5. Aqui, vincula-se a letra J à alta conscienciosidade, que indica organização, competência, diligência, compromisso e cuidado. Todos esses aspectos comportamentais, além de não serem exatamente a tipologia junguiana, têm um grave problema identitário conforme entram no moedor de carne pasteurizador da tipologia. Nota-se, na juventude atual, uma tendência à autoimagem mais vinculada ao lazer, e não ao trabalho, o que é perfeitamente compreensível. Infelizmente, muitos dos trabalhos sobre MBTI (ou seja, sobre as letras e dicotomias) foram feitos pensados para um contexto organizacional, em que as características mais importantes de serem estudadas eram aquelas que impactavam o ambiente de trabalho, porque eram ali que estavam os interesses econômicos que movimentavam o interesse de classificação de personalidade.
Como substrato disso, e pela tentativa de relação com o Big 5, cultivou-se a imagem dos tipos julgadores bem associada ao trabalho ou a responsabilidades. Como muitas pessoas, principalmente os jovens, têm cultivado uma imagem bastante distanciada das responsabilidades, associada ao lazer, aos gostos, ou até a uma autodepreciação no campo do trabalho (autoimagem de proctastinação, de preguiça, de ser desastrado, de fazer de última hora, de ser irresponsável), inclusive como rejeição ao que Byung-Chul Han chama de “Sociedade do Cansaço”, a preferência de identificação nos testes é com a flexibilidade e a ideia descontraída que a letra P passaria. Em rejeição à lógica da produtividade da Sociedade do Cansaço, que tenta ser “motivacional” e “estimulante”, as gerações mais recentes, em oposição a isso, rejeitam também a identificação com os estereótipos J que dialogam com isso. Mas esse é o espírito do momento, não um traço de personalidade. Se todas as pessoas se identificam, não é personalidade, porque personalidade é o estudo das diferenças. Quando a letra P, que representa um conjunto de funções específicas em posição alta, é reduzida a mera procrastinação, e a letra J passa a significar capacidade, competência e “fazer acontecer”, essa dicotomia passa a ser muito propensa a valorações. Identificam-se como julgadores aqueles que se sentem responsáveis e competentes e que atrelam suas identidades às responsabilidades e ao trabalho. Identificam-se como perceptivos todos os outros. Quanto mais memes sobre procrastinação viralizam, quanto mais as identidades são formadas por uma valoração do “sou muito bom porque sou capaz” e “não sou bom porque não sou capaz”, mais as letras P e J são distorcidas. A valoração positiva frequentemente atribuída aos perceptivos, já que eles passam a ser vistos negativamente em todas as esferas de responsabilidade, é a descontração. Como as identidades são formadas no lazer e em rejeição ao trabalho para a maioria, a tendência atual é muito forte que as pessoas se achem P, mesmo quando são J. O importante é lembrar que elas representam processos psíquicos de percepção no sujeito e julgamento no objeto, e vice-versa.
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