Tipos esperados de mistypes e suas consequências

Veja as principais confusões e mal-entendidos sobre as funções introvertidas

Parte 3: funções introvertidas

Confusões com Intuição Introvertida (Ni): as ideias errôneas ou simplistas mais comuns para a Intuição Introvertida são de que ela é de alguma forma capaz de prever o futuro, ou se, não for, que é a função de quem pensa no futuro ou se preocupa com seu futuro, ou também que tem foco para ir atrás de objetivos. Também há o equívoco de associar Ni alta (xNxJ) a força de vontade ou a um planejamento impecável. Além disso, também se costuma vincular Ni a um pensamento “paranoico”, ou à capacidade de, a partir dessa “paranoia”, o indivíduo com Ni alta ser desconfiado ou mesmo capaz de identificar se as pessoas estão falando a verdade ou escondendo as coisas. Todas essas definições passam muito longe do que a Ni significa de fato. Ainda há uma outra interpretação que, se bem tenha a ver com a Intuição Introvertida, é igualmente comum em tipos com Ni baixa (xSxP), a questão do “misticismo”. Comportamentos muito reflexivos ou filosóficos também costumam ser afobadamente ligados à função. Muito embora essa postura reflexiva e filosófica seja bastante comum aos tipos com Ni alta, ela é compartilhada por vários outros tipos. Há ainda, por fim, o entendimento de que ter momentos desastrados ou esquecidos seria condição suficiente para Sensação Extrovertida (Se) baixa, e, consequentemente, Ni alta.

De todas as funções, a Sensação Introvertida é a mais propensa a se confundir com Ni. Usuários de Si (xSxJ) podem se ver facilmente tanto nos estereótipos positivos (idealistas, preocupados com o futuro, reflexivos, filosóficos, profundos, focados) quanto nos negativos (“paranoicos”, desastrados, avoados, desconfiados), além de compartilharem muitas tendências em comum pela Percepção Introvertida dominante. Com o viés intuitivo geral, é ainda mais difícil para que usuários de Si alta sequer considerem ter essa função, e a Ni é um dos escapes. Embora as características citadas possam ser apropriadas por todos os tipos para tentarem justificar-se como usuários de Ni, elas são mais comuns pelos usuários de Si. Usuários de Se alta (xSxP), por exemplo, tendem a ter uma visão muito mais factual dos tipos com Ni alta e se veem na ideia de força de vontade, planejamento ou “foco”. As visões estereotipadas tanto de Se quanto de Si atraem esses tipos a se identificar com a Ni, mas isso costuma ser por vias diferentes. De qualquer jeito, ambas contribuem para uma visão muito mais factual e pragmática de tipos que são o oposto disso. Ao mesmo tempo, usuários de Se (e uns quantos usuários de Si) podem se identificar com a ideia equivocada de que a justificativa para ter Ni alta é a presença de “objetivos de vida” ou “ambições”, sendo que é preciso um componente subjetivo e simbólico para que esses elementos existam nos usuários de Ni. Há também a confusão entre “ideia” e “teoria”. A ideia de que tipos intuitivos, particularmente xNxJ, são “teóricos” gera confusão devido à interpretação equivocada do que isso significa. É verdade que a intuição é uma função que prefere informações abstratas, mas teorias são formas de conhecimento e interpretação da realidade, e, por isso, servem a todas as funções de percepção, além de poderem servir até as de julgamento, afinal também são formas sistemáticas, normativas ou não, de classificação dessa mesma realidade. Duas pessoas discutindo uma teoria e falando dela para definir o que é e o que não é (por exemplo, ao discutir se determinada teoria existe ou não) podem muito bem estar usando a função sensação, que tem mais propensão para lidar com fatos. Ainda além, levar em conta o contexto de educação em que a maioria dos entusiastas de tipologia se encontra é fundamental para desmentir a ideia de que apenas certos tipos se interessam por teorias. Por todos esses motivos, embora muitas pessoas argumentem que têm Ni alta por “gostarem de teoria” ou de “debates profundos”, nota-se que isso não diz muita coisa. Cabe mais perguntais como essas pessoas gostam de teorias, o que fazem com elas, como é seu processo de pensamento a partir delas, para melhor se aprofundar no que pode vir a ser o tipo. Por fim, usuários de Intuição Extrovertida (Ne) alta (xNxP) podem se identificar com descrições de Ni por se verem, ou quererem se ver como centrados e mais responsáveis do que apontam as descrições breves de seus tipos, ou porque desenvolveram algum apego aos “poderes” que costumam ser atribuídos à Ni, como já dito: previsão ou preocupação com o futuro, grandes sonhos, desconfiança ou capacidade de “ler” as pessoas e planejar coisas. Ou seja, identificam-se com estereótipos, nada mais. É importante lembrar que a Ne é uma função mais orientada à especulação do porvir que a Ni, e, portanto, mais propensa a tentativas de previsão.

No caso das funções de julgamento, as confusões podem acontecer, mas elas necessariamente são mais superficiais, já que se trata de processos cognitivos distintos. Uma boa diferenciação entre julgamento e percepção já ajuda a separar as duas coisas. A confusão entre funções de julgamento e a Ni, de percepção, também é mais complexa de ser explicada porque as funções racionais e irracionais trabalham uma com a outra para um processo completo. No caso da Ni, ela trabalha principalmente com as funções de julgamento extrovertido (Te e Fe), mas também com as de julgamento introvertido (Ti e Fi). De qualquer forma, pessoas com essas 4 funções de julgamento podem confundi-las com a Ni quando ainda não aprenderam a separar perfeitamente a percepção do julgamento. Usuários de Ti costumam depositar na Ni a imagem de serem teóricos, “calculistas”, frios e racionais, ou profundos e interessados no entendimento de grandes temas. Usuários de Fi costumam depositar na Ni também certos graus de frieza, além de uma mistura de desconfiança e retração social. Usuários de Te e Fe dominantes, tanto Si-auxiliar (ESxJ) quanto Ni-auxiliar (ENxJ) frequentemente se veem como Ni-dominantes (INxJ) por se verem de forma mais individualista, mais “teórica” e pela lei geral de viés para introversão e intuição.

Confusões com Sensação Introvertida (Si): as ideias errôneas sobre a Si costumam ser exageradas e específicas, o que afasta pessoas de se identificarem com a função. Os principais estereótipos a colocam como uma função apegada ao passado, o que leva-a a ser vista como uma função “conservadora”, associada a pessoas unicamente rígidas moralmente, apegadas ao passado e com certas opiniões políticas. Ainda além, a associação equivocada da Si ao passado faz com que a leitura de funções cognitivas como habilidades ou poderes leve as descrições a dizerem que usuários de Si alta têm boa memória e lembram de todos os detalhes do passado, porque vivem nele. Tamanho absurdo quase não pode ser descrito, mas existe uma história desse raciocínio. O mesmo trabalho de Keirsey sobre os temperamentos, que agrupou tipos sem coerência com as funções e associou-os a temporalidades distintas, é a raiz desse pensamento distorcido sobre a Si, que perde o foco na experiência – central para a função sensação – e passa a ser vista como uma “função do passado”. Além de memória não ter a ver com as funções junguianas, essa leitura ao mesmo tempo perde o sentido porque ninguém se apega ao passado sem antes tê-lo vivido como presente de alguma forma. A ideia de uma pessoa viver no passado acontece depois do presente. A leitura temporal das funções perde completo sentido na medida em que todas as funções de percepção dependem das temporalidades para funcionar adequadamente. A Si, por exemplo, pode ser associada a todas as temporalidades: como função de sensação, ela precisa da experiência e cresce na experiência, o que significa estar ligada ao presente. Mas, por querer viver e eternizar as experiências no plano subjetivo, ela pode querer estender-se tanto ao passado quanto ao futuro, para que toda coisa absorvida pela Sensação Introvertida tenha a oportunidade de ser infinita. Também por isso, não existe nenhuma correlação entre a Si e uma boa memória. O detalhe só tem chance de ser lembrado pela Sensação Introvertida se foi internalizado pelo fator subjetivo, e mesmo assim a capacidade de lembrança varia de pessoa para pessoa. O mesmo se reflete na ideia simplista de que usuários de Si apenas se importam com rotina, o que gera a impressão de que são maçantes ou incapazes de pensar por si mesmos. É óbvio que isso não é verdade. O apego a uma rotina acontece para o usuário de Si apenas quando ela fornece uma experiência passível de ser sacralizada, o que é o oposto de ser maçante para o indivíduo. Por todos esses motivos, portanto a ideia incorreta que se tem da Si costuma afastar as pessoas da função.

A Sensação Introvertida é provavelmente a função mais injustiçada de todas em termos de afastar pessoas de se identificarem com ela. Enquanto todas as funções têm suas graves injustiças, estereótipos e preconceitos, é especialmente a Si, mais ainda a Si-auxiliar (ESxJ), a posição que mais causa aversão nas pessoas à possibilidade. Mesmo assim, existem as chances hipotéticas ou concretas de as outras três funções de percepção identificarem-se com ela. No caso da Intuição Introvertida (Ni), por sua proximidade como percepção introvertida e pela estrutura psíquica comum dos tipos (Ni e Si sempre podem se substituir na mesma posição sem influenciar as funções de julgamento), pode mais facilmente confundir-se com Si. Usuários de Ni dominante podem confundir-se com Si na medida em que ambos costumam compartilhar uma autoimagem de sensibilidade, pois a percepção introvertida pode se colocar oprimida pelas informações do mundo. É até possível que usuários de Ni-dominante entrem nas ditas “rotinas” que costumam ser associadas aos usuários de Si-alta, não por sacralizá-las, mas por se afastarem tanto da experiência concreta que ela perde o sentido e é reduzida ao máximo. Além desse, outros pequenos comportamentos de autocontenção, contemplação de detalhes (no caso da Ni, se for extraído um valor simbólico daquilo) e dificuldade de adaptação a mudanças rápidas no mundo, por serem comuns à percepção introvertida, podem fazer um usuário de Ni, particularmente dominante, crer-se Si. Já no caso da Sensação Extrovertida (Se), a hipótese mais plausível para a confusão está no fato de que ambientes confortáveis e calmos são mais associados à Si, mas também podem ser muito valorizados em termos de experiência por aqueles xSxP que não se identificam com as descrições muito energéticas da função. O mundo do conforto, do aconchego e da calma tem a ver mais com a Si porque é nesses momentos que melhor se extrai o infinito das pequenas coisas e em que as experiências podem ser aproveitadas sem serem exageradas ou opressivas para o indivíduo, mas tanto existem usuários de Si que favorecem ambientes mais enérgicos como existem usuários de Se que fazem o contrário. Praias, praças e pores-do-sol, por exemplo, podem ser lidas tanto pelo lado da Se quanto da Si. Por fim, usuários de Ne podem se confundir com usuários de Si quando identificam a função mas trocam o que seria a complexidade da função alta com a simplicidade da função baixa. Existem usuários de Si baixa, principalmente Si-terciária (INxP) com várias manifestações constantes, mas pouco criativas, da Sensação Introvertida, e que cogitam ser Si-dominantes por esse fato. No entanto, o caminho contrário é muito mais frequente: usuários de Si alta que justificam sua Si como se fosse uma função baixa (auxiliar ou terciária), mas presente, sem perceber que essa orientação é muito importante para eles, graças ao viés intuitivo.

No caso das funções de julgamento, as confusões podem acontecer, mas elas necessariamente são mais superficiais, já que se trata de processos cognitivos distintos. Uma boa diferenciação entre julgamento e percepção já ajuda a separar as duas coisas. A confusão entre funções de julgamento e a Si, de percepção, também é mais complexa de ser explicada porque as funções racionais e irracionais trabalham uma com a outra para um processo completo. No caso da Si, ela trabalha principalmente com as funções de julgamento extrovertido (Te e Fe), mas também com as de julgamento introvertido (Ti e Fi). De qualquer forma, pessoas com essas 4 funções de julgamento podem confundi-las com a Si quando ainda não aprenderam a separar perfeitamente a percepção do julgamento. Usuários de Ti podem depositar na Si um caráter sistemático e culto comum a esses tipos, mas o contrário é muitíssimo mais comum. Usuários de Fi podem depositar na Si a ideia de apego pessoal a certas coisas, a subjetividade das coisas comum a esses dois tipos, mas o contrário é muitíssimo mais verdadeiro. Usuários de Te e Fe dominantes, tanto Si-auxiliar (ESxJ) quanto Ni-auxiliar (ENxJ) podem facilmente se ver como Si-dominantes (ISxJ) por se verem de forma mais individualista, prática e solitária, confundindo introversão social com introversão junguiana, e apoiando o pragmatismo objetiva da extroversão na eventual praticidade que a função sensação pode oferecer.

Confusões com Sentimento Introvertido (Fi): como atualmente o Sentimento Introvertido é uma das funções mais propensas a receber concepções errôneas, é importante combater os estereótipos um a um, indo com calma em cada um deles, já que eles vêm de todos os lados. Infelizmente, existe ainda uma tendência da comunidade a julgar negativamente essa função, possivelmente demonizando-a, o que gera tanto pessoas extremamente idealizadoras de uma visão genérica do Fi quanto demonizadoras de uma visão exagerada dele. Em primeiro lugar, é fundamental ressaltar como as leituras de Fi como “fofo”, “chorão”, “sensível” e “empático” são coisas que desvirtuam e fogem muito da real natureza da função. Fi-dominantes, ainda mais INFP, são lidos com grandes estereótipos genéricos de sentimentalismo, timidez, fofura, empatia, passividade, afeto e afabilidade contida. Muitos usuários de Fi-dominante são o extremo oposto disso: se veem como frios, pouco emocionais, donos de si, são reativos e rebeldes e rejeitam a passividade ao máximo. Desde a descrição de Jung em Tipos Psicológicos já é dito como Fi-dominantes podem parecer extremamente frios por fora, exatamente pela introversão do campo valorativo, que deve funcionar por e para o indivíduo. A caracterização de tipos com Fi-dominante (e alguns com Fi-auxiliar, principalmente o ENFP) como muito emotivos, afáveis, carinhosos e passivos não só é genérica como foge muito de como um bom número de usuários de Fi realmente se vê, aumentando imensamente o fenômeno do mistype. O problema é que o caminho contrário também dificulta um entendimento limpo do tipo. O Sentimento Introvertido pode ser muito reativo, incômodo e autocentrado, mas isso chega a ser usado por outras pessoas para demonizar a função e colocar na conta desses tipos todo o tipo de comportamento egoísta ou agressivo. E isso não é ruim apenas com os tipos de Fi, que passam por uma “malhação de Judas”, como também é ruim para outros tipos que, idealizados, são cada vez mais distanciados de identificação. Afinal, usuários de Fe também podem ser reativos, incômodos (e se vangloriar disso!) e egoístas. Qualquer pessoa que não tenha uma autoimagem santificada se sentirá avessa a se identificar com uma função muito lida no positivo. Assim, é vital colocar o Fi em seu devido lugar, esvaziando os estereótipos simplistas ou errados, mas sem usar isso para criar ódio de tipo.

 

De longe, a função mais vulnerável ao mistype como Fi é o Sentimento Extrovertido (Fe). Não é o esperado em termos teóricos, mas é o que acontece. Ele é o principal responsável pelo estereótipo de Fi como empático, harmônico e passivo, mas também acaba sendo “santificado” nesse processo, sendo tratado de forma exageradamente benigna e insossa, o que faz seus usuários quererem se identificar com o Sentimento Introvertido também pelos defeitos. Usuários de Fe alta (xxFJ) que se identificam como Fi estão em dois tipos: 1) aqueles xxFJ que se identificariam com todos os estereótipos de FJ, mas, por conta de testes e leituras simplistas, trazem esses estereótipos para os FP, confundindo ainda mais os tipos; e 2) aqueles xxFJ que não têm uma autoimagem de empatia abnegada e fogem das descrições de Fe que vão por esse lado. De qualquer forma, os dois tipos se identificam com Fi na parte de quererem ser indivíduos, de serem autênticos, de terem seus valores, de pensarem muito sobre aquilo que querem e valorizam e o lugar geral do “eu” no mundo. Todos esses temas são comuns à função sentimento, mas atribuídos unicamente ao Fi. O tema da autenticidade é importante porque ninguém acha que não é autêntico e porque não é possível realmente medir autenticidade. Então dizer-se “valorizando autenticidade”, embora seja uma característica comum ao Fi, se torna uma frase vazia na medida em que quase ninguém valoriza a falsidade. E, como funções não são habilidades, ter Fi não garante a ninguém “ser mais aut6entico”. Usuários de Fe também têm seus valores, eles só são objetivos, mas eles estão lá. Em última instância, xxFJ creem-se xxFP quando querem se sentir indivíduos únicos, artísticos e independentes, já que as descrições gerais de Fe sempre os colocam a partir dos outros. Já no caso do Pensamento Introvertido (Ti), geralmente existe a confusão entre função sentimento e emoção. Particularmente as mulheres com Pensamento alto, pela sociabilidade que tiveram, sabem que têm emoções e, ao confundir Pensamento com ausência de emoções, encontram no Fi a justificativa para elas. A relação da emoção com a função sentimento não é direta: ela tem a ver com o valor que foi atribuído a certa situação e, a partir dele, a emoção que isso causou no indivíduo. Mas sentimentos e emoções todo ser-humano tem. Contudo, para além dessa diferença mais superficial, Ti de fato é uma função teoricamente mais propensa a ser confundida com Fi pela natureza comum de funções racionais introvertidas e pela presença nas mesmas estruturas junguianas e “stacks”. Ambas as funções prezam pela independência de princípios e pela rejeição aos consensos do mundo externo. Por fim, no caso do Pensamento Extrovertido (Te), existem usuários de Te alto (xxTJ) que, além de se identificar com a função Fi, possuem uma narrativa individual, geralmente polvilhada de melancolia, e muitos têm noção de certos princípios morais rígidos dentro deles, o que os leva a se confundirem com usuários de Fi-alta, embora o contrário seja mais comum.

No caso das funções de percepção, as confusões podem acontecer, mas elas necessariamente são mais superficiais, já que se trata de processos cognitivos distintos. Uma boa diferenciação entre percepção e julgamento já ajuda a separar as duas coisas. A confusão entre funções de percepção e o Fi, de julgamento, também é mais complexa de ser explicada porque as funções racionais e irracionais trabalham uma com a outra para um processo completo. No caso do Fi, ele trabalha principalmente com as funções de percepção extrovertida (Se e Ne), mas também com as de percepção introvertida (Ni e Si). De qualquer forma, pessoas com essas 4 funções de percepção podem confundi-las com o Fi quando ainda não aprenderam a separar perfeitamente o julgamento da percepção. Todos os tipos podem ser propensos a se ver como xxFP se quiserem dar a si mesmos uma narrativa de individualidade e criatividade, de consciência de valores próprios e de independência moral, além de emotividade. Usuários de Si podem depositar no Fi sua sensibilidade característica com relação ao mundo, seu apego a fatos (e possivelmente valores sacralizados) e sua eventual rigidez moral de conduta, ou, pelo contrário, acharem que não são rígidos moralmente e que o Fi também não é. Usuários de Ni podem depositar no Fi a ideia de um grande caminho pessoal, uma grande narrativa do indivíduo no mundo. Usuários de Ne e Se dominantes, tanto Se-dominante (ESxP) quanto Ne-dominante (ENxP), podem facilmente se ver como Fi-dominantes (IxFP) por se verem de forma mais individualista e solitária, confundindo introversão social com introversão junguiana, minimizando o tamanho de sua exploração da percepção extrovertida. Isso é mais grave em Se-dominantes porque, dado o viés intuitivo aliado ao viés de introversão, é “mais aceitável” ter uma função de intuição como terciária.

Confusões com Pensamento Introvertido (Ti): atualmente, também há um enorme viés direcionado ao Ti por parte dos testes e da comunidade, junto da valorização intrínseca que costuma acompanhar as funções de pensamento. O Ti vira uma esponja para qualquer pessoa que queira se sentir inteligente, lógica, teórica e sagaz. Outros estereótipos que podem ser fomentados sobre a função seriam da inerente inabilidade social, do fechamento (no caso do Ti-dominante) e da aparente capacidade de “não ligar” para normas sociais. A primeira lista é estereotípica e simplista por si só; a segunda tem seu fundo de verdade, mas também precisa ser estudada. É até meio óbvio, para quem se aprofunda na teoria há mais tempo, que usar uma função para autovalidar sua lógica ou sua inteligência é a pior forma de fazer isso. A ideia equivocada de que funções são habilidades faz qualquer um usar seu (suposto) tipo para se sentir logicamente impenetrável, ou até mesmo sagaz e esperto por natureza. Também costuma se usar o Ti como desculpa para um comportamento associal ou “livre” de normas sociais para justificar comportamentos inadequados, o que, além de potencial mistype, é nocivo para as relações humanas. Mesmo assim, é verdade que usuários de Ti alto (xxTP) têm certa propensão aos defeitos apresentados: inabilidade social, grosseria, desdém por normas sociais ou fechamento extremo (no caso da dominante). Mas, por algum motivo, a inabilidade e o fechamento sociais têm sido usados como carteira identitária por vários grupos. Parece que, nos últimos tempos, a suposta inabilidade social tem sido um token de autoafirmação diante de um mundo aparentemente demandante. Justificar sua própria inabilidade social (mesmo quando ela não é assim tão grave) e apoiar no Pensamento Introvertido tem sido comum para jovens que ainda estão lutando para se encontrar e encontrar a individualidade e os pertencimentos, coisas comuns da adolescência. Graças à busca ao individualismo, não se adaptar ou não entender normas sociais tem se tornado fator de orgulho, o que abre a possibilidade de mistype mesmo sendo características presentes em muitos usuários de Ti alto.

Usuários de Pensamento Extrovertido alto (Te – xxTJ) costumam majoritariamente identificar-se com o Pensamento Introvertido quando não possuem uma autoimagem voltada ao trabalho ou ao esforço. Esses usuários de Te geralmente querem se identificar com um pensamento teórico menos “útil” ao que costuma se manifestar nos usuários mais estereotípicos de Te. Dessa forma, o xxTJ mantém sua imagem de teórico (e talvez inteligente), mas substitui o estereótipo empresarial, formal e “regrado” do Te pelo estereótipo sagaz, provocativo, debatedor, “nerd” e “inútil” do Ti. Sempre que a pessoa se lê pela ótica do lazer, é mais provável que ela se identifique com tipos Ji+Pe (correspondente à letra P nas siglas), e isso é bem real em xxTJ, particularmente xSTJ, que querem se sentir descolados por um lado ou “nerds” pelo outro. Para combater isso, é preciso reforçar como o Te também é uma função bastante teórica e também possui um lado muito além do âmbito profissional, e como qualquer pessoa tem seus momentos de lazer. Além disso, o estereótipo de “debatedor” costumeiramente associado ao Ti-auxiliar (ExTP) na verdade se encaixa muito bem, ou até melhor, no Te-dominante (ExTJ), na medida em que é o Pensamento Extrovertido que tem uma postura naturalmente mais construtiva em torno do livre debate de ideias em nome da construção de uma verdade comum, enquanto o “debate” fornecido por Ti-auxiliares costuma ser mais provocativo ou mais sobre fatos e especulações que sobre o princípio lógico de fato. Por outro lado, no caso do Fi e do Fe altos, é muito comum que esses tipos queiram se identificar com Ti para fortalecer sua própria “carteirinha” de lógicos e inteligentes, com bônus se isso justificar fechamentos relacionais. Qualquer usuário de Fi ou Fe com alguma tendência mais misantrópica, ou mesmo com apenas algum gosto intelectual teórico, pode ser propenso a se acreditar xxTP por esse motivo. Novamente, a ideia errônea de que a função pensamento significa capacidade lógica garantida ou frieza emocional/distanciamento social é a principal causa desse tipo de mistype. Particularmente para usuários de Fe alto há também a vontade de se sentir mais socialmente livre, pois as descrições de Fe costumam dar a impressão de que esses tipos são muito presos a normas sociais. Nem todos são assim e muitos do que o são não querem admitir. No caso dos usuários de Fi, como já dito, essa confusão é compreensível pela estrutura psíquica comum aos tipos de julgamento introvertido. Mas ela não por ser esperada é menos nociva; pelo contrário, há um número assustador de xxFP que se veste de uma identidade xxTP e a usa para se sentir “lógico”, ao mesmo tempo em que claramente usa reatividade, valoração e imposição pessoal no lugar da impessoalidade verdadeira característica à função pensamento. Esses tipos também podem ser vorazes na hora de vestir a camisa do “debatedor”, mas lançarem mão de meras provocações valorativas ou fechamentos de debate, não de aberturas genuínas.

No caso das funções de percepção, as confusões podem acontecer, mas elas necessariamente são mais superficiais, já que se trata de processos cognitivos distintos. Uma boa diferenciação entre percepção e julgamento já ajuda a separar as duas coisas. A confusão entre funções de percepção e o Ti, de julgamento, também é mais complexa de ser explicada porque as funções racionais e irracionais trabalham uma com a outra para um processo completo. No caso do Ti, ele trabalha principalmente com as funções de percepção extrovertida (Se e Ne), mas também com as de percepção introvertida (Ni e Si). De qualquer forma, pessoas com essas 4 funções de percepção podem confundi-las com o Ti quando ainda não aprenderam a separar perfeitamente o julgamento da percepção. Todos os tipos podem ser propensos a se ver como xxTP se quiserem dar a si mesmos uma narrativa de lógica, sagacidade ou inabilidade social. Usuários de Si podem depositar no Ti o enorme gosto cultural e intelectual que muitos possuem (além de cultural, porque a chamada “cultura pop” é frequentemente associada ao Ti), sua factualidade e seu possível apreço científico. Usuários de Ni podem depositar no Ti a profundidade do mundo abstrato que buscam, confundindo os “conceitos” simbólicos aos quais ele se apega aos conceitos rigorosos e principiológicos do Ti como função racional. Usuários de Ne e Se dominantes, tanto Se-dominante (ESxP) quanto Ne-dominante (ENxP), podem facilmente se ver como Ti-dominantes (IxTP) quando olham mais para seus gostos intelectuais e lógicos, além de seus momentos solitários ou de busca por independência, confundindo introversão social com introversão junguiana, minimizando o tamanho de sua exploração da percepção extrovertida. Isso é mais grave em Se-dominantes porque, dado o viés intuitivo aliado ao viés de introversão, é “mais aceitável” ter uma função de intuição como terciária.