Introdução, panorama geral, definição e principais manifestações
“Por que você gosta desta praia?” perguntou Elisa.
“Eu simplesmente gosto”, respondeu Letícia, observando as ondas. “Ela é a praia mais perto de casa, e eu adoro curtir aqui de vez em quando. Gosto do sol no meu rosto, da sensação da areia e da água nos meus pés, gosto da brisa e das boas sensações que me dá. Eu venho aqui sozinha e às vezes chamo alguém. Mas também gosto muito de cachoeiras, trilhas, viagens, qualquer coisa na verdade. À noite, por exemplo, fazem um luau aqui nesta mesma praia, costuma ser ótimo.”
“Eu geralmente topo de tudo. Afinal, acho que só posso saber que não gosto daquilo que provo, né mesmo? Restaurante chique? Vou. Podrão? Vou também. Adoraria viajar o mundo fazendo atividades diferentes: já conversei com uns amigos meus, surfistas, e vou tentar algum dia também, assim como pretendo algum dia cruzar o país de moto. Isso de fato ia ser fantástico”, disse João.
Matheus respondeu rapidamente: “essas peças? São só peças. Este jogo é só um jogo, o dia de hoje é só mais um dia. Eu os vivo como pedem para ser vividos, nada mais. E sei que alguns dias podem ser melhor vividos, claro. Tento fazer o melhor deles. Esses rendem boas histórias, assim como os jogos mais interessantes também rendem. A única coisa que fica também me parece bem óbvia: tanto no jogo, quanto no dia, quanto na vida, eu quero ganhar”.
“Quando estou na pista de dança, tudo parece ser uma coisa só”, disse Ana. “É só se soltar”, ela continuou, com os ouvidos não tão atentos de sua amiga. “É como andar na rua ou respirar: você simplesmente faz, não tem que pensar muito. E, também como andar ou respirar, eu não consigo viver sem sair pra dançar às vezes, ou mesmo sem dançar em casa quando descubro um álbum novo. Vamos lá, vem comigo. Eu te mostro uns passos!”
“Muita gente fala que eu sou grossa”. Rafaela deu mais um gole em sua cerveja e ajeitou-se na cadeira de plástico do bar. “Mas eu prefiro achar que sou direta. Eu falo o que tenho que falar e não levo desaforo pra casa, simples assim. Eu falo as coisas como são, simples assim, sem rodeios. Quem está comigo é porque gosta”.
“Eu sou intensa”, Joana começou a digitar, apresentando-se. “Gosto de viver com intensidade e gosto de pessoas que topam isso. Gosto de curtir com intensidade, experimentar com intensidade, falar com intensidade, beijar com intensidade, enfim. Viver com intensidade”.
“Quando eu quero algo, eu vou atrás”, afirmou Thiago categoricamente. “Se não der certo, bola pra frente, pelo menos eu tentei, as coisas são assim mesmo. Mas eu gosto de me ver como ambicioso e pragmático: eu faço o que eu quero pra conseguir o que quero. Se precisar falar grosso, eu falo. Se precisar aprender as manhas, eu aprendo. A vida é assim, afinal”.
“Prefiro resolver as coisas de forma simples”, retrucou Luiz. “Quando estou estudando alguma coisa, por exemplo, gosto de ir direto ao ponto, sem rodeios. Já li muito livro enrolado, cheio de reflexões que não ajudavam em nada em termos práticos. Outros livros já eram bem melhores, me faziam quase sentir que eu estava vivendo aquilo que estava aprendendo. E depois eu conseguia aplicar na prática. Por isso eu prefiro as teorias mais factuais, tipo o behaviorismo. A realidade é uma só, então eu prefiro simplificar as coisas”.
A Sensação Extrovertida (Se) caracteriza-se por ver e tratar a realidade como ela é. De forma curta, ela se define pela percepção objetiva do mundo concreto. Ou seja, as coisas do mundo externo, experiências, fatos, objetos, informações etc. são lidadas com objetividade porque são percebidas com objetividade. Quase tudo o que entra como informação para a Se é percebido como a realidade dos fatos, e isso orienta várias formas de manifestação dessa função. Afinal, ver e sentir as coisas “como elas são” não define nenhum rumo de ação ou comportamento sobre essas coisas, a não ser a ideia de que elas devem ser encaradas daquela forma. Em comum, quanto mais alta a Se, mais seus usuários operam por um paradigma de simplicidade. Ou seja, como os fatos são o que são e a realidade é o mais objetiva possível, raramente há necessidade de se refletir mais que o necessário, ou dar voltas, ou criar soluções complexas ou rebuscadas para situações que se apresentam tão simples como são. Muitos dos usuários de Se forte (dominante e auxiliar) sabem que podem trabalhar com coisas numa abordagem de complexidade, eles apenas preferem não fazê-lo quando não é necessário. Em posições mais baixas, essa relação com a simplicidade direta e reta se torna mais instável, geralmente caindo num minimalismo essencialista e pouco ressonante com o mundo concreto. A partir dessa forma de ver e interagir com o mundo, diferentes usuários de Se utilizam-na de formas diferentes, o que será detalhado mais para frente.
Em termos mais teóricos, a Se funciona por perceber o mundo concreto sem nenhum filtro subjetivo, e, consequentemente, identificar nesse objeto tudo o que é aparente, sem distinção. Em última instância, o indivíduo com Sensação Extrovertida percebe a si mesmo como um objeto, fundido com seu entorno, sendo parte das coisas que o envolvem. Tudo isso gera alguns efeitos claros: por identificar no objeto tudo o que ele é, a Se é a função mais orientada a trabalhar esse objeto como oportunidades. Como a função sensação está orientada para o mundo concreto e a atitude extrovertida para fora do sujeito, a Se intenciona interagir e se envolver com esse objeto, e é aí que entram as oportunidades. O mundo da Se, no fim das contas, pode ser lido como um mundo com abundância de informações, justamente pela ausência de filtro na recepção delas. Muitos usuários de Se mergulham nessa abundância porque é lá que todas as oportunidades estão. Tudo o que aparece para interagir é recebido como oportunidade, já que não há filtro nessa função: os objetos são apenas mais intensos ou menos intensos. A vontade da Se é explorar essas oportunidades como forma de interagir e extrair algo desse objeto. Uma pessoa nova é uma oportunidade de flerte e conversa. Um clipe novo é uma oportunidade de uma coreografia nova e, consequentemente, uma nova oportunidade de explorar o próprio corpo. Uma mudança no mercado oferece oportunidades para novos lucros, uma exposição é uma oportunidade de alavancar a publicidade da imagem, um dia de sol é uma oportunidade difícil de ser ignorada e por aí vai. Perceber tão diretamente o objeto faz com que ele exerça uma grande força de atração no indivíduo, e as oportunidades são um campo para o qual a Sensação Extrovertida tem bastante sensibilidade. O usuário de Se é seduzido pelo objeto e tende a seguir o caminho que este sugere. Claro, isso também vem acompanhado de um desejo de atuar no objeto como o objeto atua no indivíduo. É nessa hora que a Se se vê fundida com o objeto, por ser parte dele. Ou seja, o indivíduo trata a realidade como ela é e aceita ser tratado, ele mesmo, como um objeto nesse jogo de interações. Ele faz parte da realidade tanto quanto o resto.
Por essa atração pelo objeto, a Se, quanto mais forte, costuma ter uma forte orientação estética. Certos sentidos são muito associados à Se, e isso gera frequentemente um apreço bem intenso pelo visual e pelo sonoro. Música, vídeo (filmes e clipes) e fotografia, manifestações estéticas que podem agradar qualquer pessoa, são mais presentes como grandes interesses nos indivíduos com Sensação Extrovertida porque ela é mais sensível a esse campo. Um ponto interessante da inclinação estética da Se é que, em muitas pessoas, ela se manifesta no próprio corpo. O corpo é o primeiro vínculo do ser-humano com o mundo concreto. Como a Sensação Extrovertida vê o concreto de forma objetiva, isso também, muitas vezes, reflete-se na forma como ela vê o próprio corpo: como um objeto, inclusive um objeto estético. A Se é a função mais propensa a ser sensível às temáticas do corpo como ferramenta de materialização das vontades e como objeto estético: o próprio corpo sabe que é um objeto para outras pessoas e aproveita isso das formas mais criativas que encontrar. Não significa, no entanto, que todos os usuários de Se dediquem-se a um corpo esteticamente “padrão”. Pelo contrário, embora muitos o façam, outros usuários de Se têm o vínculo corporal forte com corpos “fora do padrão” e trabalham a partir disso. De qualquer forma, esse vínculo com o objeto, seja o corpo, a paisagem, a fotografia, além de criativo, é bem objetivo. Isso leva a outra dimensão da Sensação Extrovertida: o vínculo extrovertido com as experiências impede a internalização (introversão) dessas experiências. Por isso, a tendência é que os usuários de Se precisem de experiências mais e mais estimulantes no campo das sensações. É comum que esses indivíduos se identifiquem com a palavra “intensidade” exatamente pela busca de mais experiências, já que elas não costumam ser internalizadas ou degustadas. É por isso que o campo visual e auditivo costuma ser mais estimulante para os usuários de Se que para a média das pessoas. Isso, como dito, também facilita a orientação estética dessa função. A já mencionada abundância de informações e a tentativa de abarcá-las todas como oportunidades pode trazer essa busca da intensidade ao extremo em muitos usuários da função. Para esses, podem ser eventos como churrascos ou oportunidades de abundância de álcool que chamariam a atenção da busca por experiências intensas. Mas isso pode se refletir em outros ambientes menos associados à diversão, como a leitura, ou mesmo atividades sozinho em casa. No caso da leitura, por exemplo, pode haver uma busca voraz por essa abundância de informações que seja absorvida por elas mesmas, ou talvez por algum projeto que faça o usuário de Sensação Extrovertida sentir que percebe melhor e mais claramente o mundo, por exemplo.
No entanto, nem todos os usuários de Se lidam com essa necessidade de estímulo partindo para o mais visual, o mais intenso etc. Em grande medida, é possível separar os detentores de Se forte em enérgicos e estóicos. Explica-se. A Sensação Extrovertida manifesta-se de formas diferentes, como dito. A visão mais clássica que se tem dela é de uma pessoa dotada de grande energia corporal, empolgação e impulsividade. Costuma ser a versão da Se mais representada na ficção e é a mais facilmente identificável. Costuma aparecer em pessoas com bastante energia para dançar (não necessariamente bem), cantar, jogar, se exercitar, ou mesmo comer. As oportunidades do mundo concreto mais importantes são aquelas em que viver ao máximo é fundamental, sem muitos rodeios sobre isso. Pode-se associar essa forma da Se a uma estética de festas e baladas, clipes de música, pistas de dança, festivais esportivos, parques de diversão e esportes radicais, por exemplo. No entanto, outra forma muito característica da Sensação Extrovertida, também altamente enérgica, é aquela que parece mais séria, determinada e ligeiramente agressiva. Essa manifestação da Se costuma ter os indivíduos mais determinados em conseguir afetar seu mundo, em se posicionar corporalmente. Em agir, basicamente. Essa manifestação se orienta para a ação, mesmo que requeira algum tipo de agressividade ou “sangue nos olhos”. Esse exemplo também é bastante comum na ficção. Esteticamente, pode ser visto em esportes de luta (como boxe e UFC), ou até na ideia de empreendedores, guerreiros, protagonistas de filmes de ação e bad boys que, com posicionamento corporal, agressividade e visão de oportunidade, conquistam o que quiserem. Essas duas formas mais enérgicas da Se são presentes na ficção, que vai do contexto geral de animes shonen a filmes como O Lobo de Wall Street. Nos animes shonen, por exemplo, existem muitos protagonistas com Se forte exatamente porque é útil para a proposta de que a força de vontade, a animação e a tentativa de mudar o ambiente corporalmente conseguem alcançar os objetivos. O tema da força de vontade é importante porque, na verdade, ele não é muito coberto pela tipologia, mas uma associação bem indireta pode vinculá-la à Sensação Extrovertida forte. A Se dialoga com a concretização: de fazer ser concreto algo que era antes uma vaga ideia. Além disso, perceber as coisas como elas são daria alguma facilidade em aguentar as adversidades por serem o que têm de ser, e a projeção do corpo como ferramenta coroaria essa força de vontade. Isso também é fundamental de ser explicitado porque, na verdade, existem muitos usuários de Se que não manifestam uma força de vontade tão agressiva, ou mesmo não manifestam ela de forma alguma. Acontece que, como dito, é muito útil fazer com que personagens ambiciosos e cheios de força de vontade sejam usuários de Se, e que personagens com Se sejam assim: é uma função que eles ocupam bem no roteiro. Contudo, isso dificultaria a identificação dos indivíduos usuários de Se que não têm tanta preocupação com esse campo.
Existe outra manifestação muito comum da Sensação Extrovertida que não tem tanto destaque na ficção. É o que se chama aqui de “Se estoica”. Mesmo muito característica, alguns usuários de Se que não possuem uma abordagem tão enérgica podem acabar confundidos com usuários de Sensação Introvertida, com usuários de Se fraca (xNxJ) ou com versões introvertidas dos usuários de Se (ESxP identificando-se como ISxP). Mas é fácil notar o mecanismo: se o mundo é recebido como ele é, é muito fácil que a Se simplesmente esteja no mundo como ele é, sem necessidade de agir. Essa manifestação também será dividida em duas. Por um lado, existe uma visão mais “fria” da realidade, que é lida como fatos, simplesmente. Embora imersos no mundo factual, esses usuários de Se não costumam sentir-se seduzidos pelo objeto, mas o vínculo concreto e objetivo continua lá. O método de Sherlock Holmes na série da BBC e a abordagem sobre a alquimia de Edward Elric em Fullmetal Alchemist são bons exemplos dessa manifestação mais “fria” da Se. Já outra forma mais calma da Se é muito comum, embora passe despercebida, principalmente pela ficção. Diz respeito a Se mais calma, que busca se fundir com o objeto de uma forma pouco enérgica, mais “suave”. É a Se que aparece “de boas”, mais tranquila, e que abraça como ninguém a ideia de simplicidade que a função carrega. Esteticamente, essa função é mais relacionada a aproveitar o ambiente ou percebê-lo por completo, sem tanta voracidade. Pode-se associar essa Se a momentos em uma praia ou em uma cachoeira, por exemplo, ou na imagem de um monge praticando artes marciais. De fato, muito do budismo pode ser associado à Sensação Extrovertida, na medida em que ele dita sobre a aceitação das coisas como elas são, e prega a meditação como esvaziamento da mente em nome da tomada de consciência do mundo externo. É comum que essa manifestação da Se advogue por sentir o clima ou as “vibes” do ambiente, de “seguir o fluxo”, e de simplesmente estar presente, ou também ter facilidade com a lógica do “deixar pra lá”, que aceita as coisas como são e, por isso, não se deixa abalar por isso. Os detentores de Sensação Extrovertida dominante, quando preferem adotar formas mais estoicas ou mesmo solitárias da Se, têm dificuldade em se ver como extrovertidos, porque, ainda que o vínculo objetivo com as coisas seja prioritário, ele não segue o estereótipo energético e sociável que se dá aos Se-dominantes.
Como o mundo da Se é altamente factual e procura experimentar ou presenciar a informação adquirida, ele dialoga bastante com o método científico. O princípio da verificação de Rudolf Carnap, por exemplo, além de boa parte de seu pensamento, pode ser associado à Sensação Extrovertida pela preferência pela observação e verificação materiais na definição da ciência e pela rejeição à metafísica. Outra corrente filosófica que pode ser associada à Se é o empirismo, também pela ideia semelhante. Na psicologia, ainda, esse mesmo princípio de base factual fundamental aproxima a corrente behaviorista da Sensação Extrovertida. Sob outra perspectiva da Se, alguns pensamentos e correntes hedonistas podem ser interpretados como dialogando com essa função. Isso porque o foco principal da ética hedonista, seja egoísta ou não, é a maximização do prazer das pessoas como critério fundamental para as escolhas éticas. É verdade que pessoas diferentes sentem prazeres diferentes, mas também existe algo objetivo na ideia do prazer, que é justamente tratada pelo hedonismo. É sempre importante lembrar, como é lembrado em todos os textos dessa natureza, que tudo isso não passa de metáforas. Embora imagine-se que haja correlação entre usuários de Se e o interesse por essas abordagens, nem mesmo seus criadores são garantidamente usuários de Se. Isso vale o mesmo para todas as metáforas ou casos contados neste site, e isso será reforçado.
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